quinta-feira, 21 de setembro de 2017

O psiquiatra que derrubou o mito de que homossexualidade seria doença


Robert Spitzer | APDireito de imagemAP
Image captionMorto aos 83 anos na última sexta-feira, Robert Spitzer é visto como um dos 'pais' da 'Bíblia' da psiquiatria
Até 1973 a homossexualidade era considerada um "transtorno antissocial da personalidade".
Mas um psiquiatra, empenhado em classificar de forma empírica as doenças mentais, a tirou da lista.
Seu nome era Robert Spitzer, considerado o pai da classificação moderna das doenças mentais. Ele faleceu na última sexta-feira aos 83 anos devido a um problema cardíaco.
O psiquiatra desempenhou um papel fundamental na criação do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM, na sigla em inglês), tido até hoje como a "Bíblia" da psiquiatria mundial.

Desmistificando a homossexualidade

Em suas pesquisas, o médico determinou que a homossexualidade não era uma doença desde que os homossexuais se sentissem confortáveis com sua sexualidade, valendo a mesma lógica para os heterossexuais.
Orgulho gay em Santo Domingo | ReutersDireito de imagemREUTERS
Image captionParada do orgulho gay em Santo Domingo, capital da República Dominicana, neste ano de 2015
Em 1973, Spitzer conseguiu firmar um acordo no qual ficava estipulado que, para descrever pessoas cuja orientação sexual, seja homossexual ou heterossexual, lhes causava angústia, o diagnóstico passaria a ser o de "distúrbio de orientação sexual".
"Um transtorno médico deve estar associado a uma angústia subjetiva, sofrimento ou incapacidade da função social", disse Spitzer ao jornal norte-americano The Washington Post.

'Divisor de águas'

Baseado na Universidade de Columbia, em Nova York, ele foi pioneiro em desenvolver um método empírico em torno das doenças mentais, além da teoria tradicional.
Antes da criação do DSM, um diagnóstico poderia variar entre um psiquiatra e outro.
A redação do manual, baseado em informações empíricas, é o "maior divisor de águas da profissão", disse Janet Williams, esposa e colega do psiquiatra, à agência de notícias Associated Press.
"Ele foi, de longe, o psiquiatra mais influente de sua época", indicou Allen Frances ao jornal norte-americano The New York Times. Frances foi o editor da última versão do DSM.
Para o psicanalista Jack Drescher, deixar de considerar a homossexualidade como uma doença foi o maior avanço na defesa dos direitos dos homossexuais.
"O fato de que hoje se permita o casamento gay se deve em parte a Bob Spitzer", disse Drescher, que é homossexual, ao The New York Times.

Revés

Apesar dos avanços creditados a Spitzer no campo da psiquiatria em geral e à retirada da homossexualidade do rol de doenças mentais, a carreira do psiquiatra também foi marcada por um revés.

Ativista gay na Índia | AFPDireito de imagemAFP
Image captionEm países como a Índia os homossexuais ainda encontram dificuldades
Em 2001, ele chegou a publicar um estudo no qual apoiava as polêmicas e criticadas terapias que pretendem "converter" homossexuais em heterossexuais, há muito tempo descreditadas por psiquiatras, psicólogos e sexólogos.
A iniciativa de Spitzer foi duramente criticada por ativistas.
Dez anos mais tarde, o psiquiatra pediu desculpas e assegurou que essa pesquisa era a única coisa de sua carreira que lamentava.

"Acordei meio lésbica", ironiza Bruna Linzmeyer sobre polêmica da "cura gay"


Atriz fez publicação em seu perfil no Instagram


Bruna Linzmeyer ironizou a decisão de um juiz de Brasília que deixou psicólogos livres para oferecer tratamentos contra a homossexualidade. A atriz usou seu perfil no Instagram para falar sobre o assunto.

"Hoje acordei meio lésbica, será que dá pra ir trabalhar? Fernanda Gentil e Carol Duarte me indicam alguma pílula ou máscara verde?", escreveu ao compartilhar uma foto na rede social.
Carol Duarte, a Ivana de "A Força do Querer", respondeu ao comentário de Bruna. "Isso me aconteceu faz uns anos. E ainda me acomete. Argila na cara, e paracetamona. Se não melhorar tira o dia e fica com tua namorada. Já peguei um atestado de 9 dias, ficamos só no vinho, frio e aconchego. É o que sempre faço com a Alina Klein".
O post da atriz foi uma referência à medida em caráter liminar que permite a psicólogos prestarem atendimento referente a orientação sexual. A decisão do juiz federal Waldemar Cláudio de Carvalho vai contra o Conselho Federal de Psicologia, que proíbe esta prática desde 1999.
PROTESTOS
Pelas redes sociais, outros artistas também protestaram. A cantora Pabllo Vittar escreveu: "Não somos doentes. O preconceito não vai vencer".
Paulo Gustavo, ironizou: "Estou catando tudo que é remédio para poder tentar melhorar da homossexualidade, mas não estou conseguindo. Estou viada há muito tempo, difícil sair da crise".
Fernanda Gentiu usou o mesmo tom: "Tentando me curar dessa doença, mas tá difícil.....", escreveu.
Preta Gil também se manifestou. "Como é que cura um ser humano de amar o outro? E aí, tem esse remédio?".

Anitta, que sempre defende a causa gay, não ficou de fora. "Não sei como a gente consegue ajudar, mas eu estou aqui rezando para o que nosso país dê atenção para o que realmente é importante, que é consertar a nossa miséria, a nossa corrupção, a nossa falta de educação, até mesmo para ninugém mais cometer uma burrice como essa".
Ivete Sangalo é outra cantora que não se calou. "Doente são aqueles que acreditam nesse grande absurdo. Pessoas, pensem sobre o que esse grande equívoco, absorvam a coragem e a luta dos homossexuais e apliquem as suas mofadas e inertes vidas".
Claudia Leitte disse que a decisão do juiz representa um retrocesso. "Quando a gente vai perceber que é por conta das nossas diferenças que somos tão bonitos?! Todos precisamos de respeito! Todos temos os mesmos direitos! Retrocessos como acreditar que a condição sexual pode ser mudada torna nossa caminhada tão escura e sombria... Doença mesmo é o desafeto, a ausência de compaixão e, caso não fique claro, vale ressaltar, homofobia é crime e leva ao crime! Mais amor".






segunda-feira, 18 de setembro de 2017

Coreia do Norte diz que mais sanções vão estimular novos planos nucleares

Coreia do Norte não avisa sobre seus testes mísseis, o que impede que sua rota seja conhecida (Foto: STR / KCNA VIA KNS / AFP)
Coreia do Norte não avisa sobre seus testes mísseis, o que impede que sua rota seja conhecida (Foto: STR / KCNA VIA KNS / AFP)
Quanto mais sanções os Estados Unidos e seus aliados impuserem contra a Coreia do Norte, mais rápido Pyongyang se moverá para completar seus planos nucleares, afirmou um porta-voz do Ministério das Relações Exteriores, nesta segunda-feira (18), segundo a agência de notícias estatal norte-coreana, a KCNA.
As sanções mais recentes impostas pelo Conselho de Segurança da ONU representam "o mais cruel, antitético e desumano ato de hostilidade para exterminar fisicamente a população da Coreia do Norte, em especial seu sistema e governo", disse o porta-voz, de acordo com a KCNA.
O Conselho de Segurança da ONU aprovou por unanimidade uma resolução elaborada pelos Estados Unidos na semana passada autorizando novas sanções mais rígidas contra Pyongyang, que incluem a proibição das exportações de produtos têxteis do país e limitando as importações de petróleo.

Opções esgotadas

A embaixadora dos Estados Unidos nas Nações Unidas, Nikki Haley, disse neste domingo (17) que o Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU) esgotou suas opções na contenção do programa nuclear da Coreia do Norte. Ela ainda afirmou que os EUA podem ter que entregar o assunto ao Pentágono.
"Nós esgotamos todas as coisas que poderíamos fazer no Conselho de Segurança neste momento", disse Haley ao "State of the Union" da CNN, acrescentando que estava perfeitamente feliz em entregar o assunto ao secretário de Defesa, James Mattis.
Embaixadora dos Estados Unidos na ONU, Nikki Haley, ao lado do assessor de Segurança Nacional da Casa Branca  (Foto: H.R. McMaster Mike Theiler / AFP)Embaixadora dos Estados Unidos na ONU, Nikki Haley, ao lado do assessor de Segurança Nacional da Casa Branca  (Foto: H.R. McMaster Mike Theiler / AFP)
Embaixadora dos Estados Unidos na ONU, Nikki Haley, ao lado do assessor de Segurança Nacional da Casa Branca (Foto: H.R. McMaster Mike Theiler / AFP)
"Estamos tentando todas as outras possibilidades que temos, mas há muitas opções militares na mesa", acrescentou.
No sábado (16), o líder norte-coreano Kim Jong Un afirmou que o objetivo do país de desenvolver sua força nuclear "está quase concluído", segundo a agência de notícias estatal KCNA, citada pela Reuters.
A Coreia do Norte pretende alcançar um "equilíbrio" de força militar com os Estados Unidos, que indicaram que sua paciência para diplomacia está acabando após Pyongyang disparar um míssil cruzando o Japão pela 2ª vez em menos de um mês.
"Nosso objetivo é estabelecer o equilíbrio da força real com os EUA e fazer com que os governantes norte-americanos não se atrevam a falar sobre uma opção militar", disse Kim Jong Un.

Hostilidades

Após o mais recente lançamento de míssil na sexta-feira (15), o conselheiro de segurança nacional da Casa Branca, H. R. McMaster, disse que os EUA estão ficando sem paciência com os programas nuclear e de mísseis norte-coreanos. "Para aqueles que comentaram a falta de uma opção militar, há essa opção", disse McMaster, acrescentando que não seria a escolha preferida da administração Trump.
Esse último míssil que passou sobre o Japão foi uma resposta norte-coreana às novas sanções aprovadas pelo Conselho de Segurança da Organização que impôs, por unanimidade, a proibição das exportações de produtos têxteis do país e limitou as importações de petróleo.
Essas sanções, por sua vez, tinham sido aprovadas como uma resposta ao sexto e mais poderoso teste nuclear do país dos últimos 11 anos, ocorrido em 3 de setembro, que marca mais um capítulo na escalada de tensão na região. Segundo o governo da Coreia do Norte, o teste com uma bomba de hidrogênio, que pode ser carregada no novo míssil balístico intercontinental, foi 'bem-sucedido'

quarta-feira, 13 de setembro de 2017

Estadão’ mostra o custo da corrupção no Brasil

O Estado de S.Paulo

A platafoResultado de imagem para Direito Tributário e seus conceitos geraisrma digital “De Real para Realidade”, criada pela agência de publicidade FCB Brasil para o Estadão, vai mostrar claramente para os leitores os custos da corrupção para a população brasileira. Ao navegar pelas notícias no site do jornal, por meio de PCs ou de smartphones, os leitores poderão entender o quanto os valores desviados poderiam representar em bens e serviços públicos.
A iniciativa converte, automaticamente, o valor informado nas notícias relacionadas a denúncias de corrupção e mostra o que o dinheiro que foi desviado poderia representar em merenda escolar, medicamentos, ambulâncias e quadras esportivas, entre outros benefícios à população.
A ferramenta do site vai monitorar notícias sobre corrupção que tragam desvios medidos em reais. Nesses textos, cada vez que o consumidor passar o cursor sobre o valor – ou o dedo, no caso da navegação em celular –, a reportagem vai destacar a cifra. Caso o usuário clique nela, ele será redirecionado à plataforma digital “De Real para Realidade”, que exibirá a conversão do desvio em diversos bens.
Em um dos exemplos disponíveis, relativo a um desvio de R$ 316 milhões, a ferramenta mostra que o valor poderia significar 2,25 milhões de vacinas H1N1, 15,8 mil ambulâncias ou 316 metros de linha de metrô. “O objetivo é ajudar a dimensionar como esse dinheiro teria impacto na vida da população. É uma forma de aprofundar o conteúdo que produzimos”, diz Marcelo Moraes, diretor de marketing publicitário do Estadão.

‘Só resta aos investigados atacar os investigadores’, diz procurador-geral

Segundo Janot, quando se enfrenta a corrupção, ‘pernas tremem’.

Mais de 70 entidades se unem em campanha contra a corrupção.


O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, disse nesta terça-feira (12) que, diante das provas de corrupção apresentadas pelo Ministério Público, só resta aos investigados atacar os investigadores.
A campanha já está no ar no site “Todos juntos contra a corrupção”. Mais de 70 entidades de todo o país se mobilizaram para reunir ações e projetos educacionais de combate à corrupção e à lavagem de dinheiro. Uma rede para receber propostas novas nessa luta e ser replicada por qualquer cidadão e ampliar na sociedade a valorização da honestidade.
“A Lava Jato e essas operações são fundamentais para jogar luz nesse problema. Iniciativas como a de hoje atuam do lado da prevenção, o lado do combate à corrução é permanente, é importante. A Operação Lava Jato é fundamental, deve ser defendida por todos os brasileiros que procuram um país melhor”, disse o consultor da Transparência Internacional Fabiano Angélico.
O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, disse que é preciso vencer a inércia no combate aos crimes. Afirmou que “muitas pernas tremem” quando se enfrenta a corrupção no Brasil.

“Peço encarecidamente a todos que não considerem normal aquilo aquilo que acontece sempre. A gente está tão submetido a atos que passam a quase banalizar a corrupção no meio de todos nós. Quando todos esses órgãos, públicos ou da sociedade civil, se unem, como aqui com o objetivo comum de combater a corrupção com certeza muitas pernas tremem. Muitas pernas tremem”, disse o procurador-geral da República.

Em recado a quem chamou de “detratores”, Janot disse que não vai retroceder nem desistir do combate à corrupção e atacou a tentativa de desqualificar provas obtidas pelos investigadores.
“Nunca se viu, em toda a nossa história, tantas investigações abertas, tantos agentes públicos e privados investigados, processados e presos. As instituições estão funcionando, as reações também têm sido proporcionais. Como não há escusas pelos fatos descobertos e que vieram à luz, tantos são escancaradamente comprovados, a estratégia de defesa não pode ser outra senão tentar desconstituir, desacreditar a figura das pessoas encarregadas do combate à corrupção. Nós temos que lembrar disso todo dia e fazer saber aos nossos detratores que nós não conjugamos dois verbos: retroceder e desistir no combate à corrupção”, afirmou Rodrigo Janot.
São os últimos dias de Rodrigo Janot à frente da Procuradoria-Geral da República. O mandato dele termina no próximo domingo (17). Até lá, Janot deve fazer novas denúncias: a segunda contra o presidente Michel Temer está em fase final na procuradoria. A defesa de Temer recorreu ao Supremo Tribunal Federal para que Janot seja considerado suspeito para atuar contra ele alegando perseguição. Janot nega. A corte julga nesta quarta-feira (13) a questão

sexta-feira, 8 de setembro de 2017

Agnes Heller: “A maldade mata, mas a razão leva a coisas mais terríveis”

Agnes Heller (Budapeste, 1929) resume a história da Europa, ou melhor, a tragédia da Europa. Esta filósofa, uma das pensadoras mais influentes da segunda metade do século XX, sobreviveu ao Holocausto, embora seu pai tenha sido assassinado em Auschwitz. Após a Segunda Guerra Mundial, esta discípula do filósofo marxista Georg Lukács se tornou uma dissidente na Hungria comunista, após a invasão soviética de 1956, e acabou se exilando, primeiro na Austrália, onde foi professora em Melbourne, depois na Universidade de Nova York. Continua dando conferências pelo mundo, mas sempre volta a um apartamento luminoso e arejado no sul de Budapeste, de onde tem uma bela vista do Danúbio.
Agnes Heller, em sua casa, em Budapeste
Pergunta.
 Pode imaginar que a Europa voltará a uma situação como a que você viveu quando era jovem?É uma mulher pequena, enérgica, cuja desordem material contrasta com uma mente organizada, lúcida e simples. Os livros e revistas espalhados pelas mesas de sua sala de estar, com temas que vão do nazismo a Edmund Burke, refletem uma curiosidade intelectual inesgotável, assim como suas perguntas sobre o movimento de independência na Catalunha. Durante a conversa, oferece uma lição de vida quando pergunto se confia na razão. Responde que não, porque “em nome da razão milhões foram assassinados”. Então, no que acredita? “Em que sempre há pessoas boas, mesmo nos piores momentos”, responde. Todo o peso da história do século passado não a fez perder a confiança na humanidade.
Resposta. O passado não pode voltar, nem se repetir. Não podemos voltar a algo assim. A situação mudou, as sociedades mudaram. O mundo também tem seus perigos, mas são diferentes dos que existiam antes.
P. A senhora sobreviveu aos dois grandes totalitarismos do século XX. Como sente a Europa atual? Imaginava que seria assim?
R. Se a comparo com a Europa da minha juventude, a da Segunda Guerra Mundial, do Holocausto e do comunismo, é claro que estou feliz com o mundo em que vivemos. Mas tenho que reconhecer que não estou nada satisfeita com a situação na Hungria, embora mesmo assim esteja muito melhor.
P. Acha que a Hungria continua a ser uma democracia plena?
R. O que significa democracia em nosso tempo? São convocadas eleições em praticamente todos os países do mundo. Mesmo em ditaduras como Irã ou Venezuela vota-se regularmente. Os líderes são eleitos, alguma forma de oposição também é mantida, como na Rússia de Putin ou na Turquia de Erdogan. Podemos dizer que são democracias porque seus líderes são eleitos nas urnas? A questão é saber por que uma maioria se transforma em uma maioria, que tipo de ideologia influencia as pessoas a votarem uma coisa e não outra. Os ditadores conseguem apoio popular com base em sua doutrina. Na Europa, há uma ideologia muito importante, o nacionalismo. Aqui na Hungria temos uma ditadura, de Viktor Orbán, que foi eleito duas vezes e poderá ser por uma terceira. Não há imprensa livre, não há equilíbrio de poderes, não há instituições fortes, mas temos eleições. Então, o importante não é saber se é uma democracia, mas de que tipo de sistema estamos falamos. O essencial é que exista o Estado de Direito, instituições fortes que garantam as liberdades. É o que chamo de democracia liberal, e para mim é a única que pode ser descrita como um sistema de plenos direitos. As outras estão governadas por um partido, por um líder, que pode governar pela força, como Erdogan, ou sem a força, como Orbán.
O islamismo radical é uma ideologia totalitária. E as democracias liberais podem ser ingênuas, acreditam que todos compartilham a mesma visão
P. Desde o caso Rushdie, quando o escritor britânico foi condenado à morte por uma fátua do Aiatolá Khomeini, você tem sido muito crítica aos perigos que representa o islamismo radical. Piorou? É um perigo para a democracia?
R. Sem dúvida, é pior que uma ditadura, é um totalitarismo, sua versão mais extrema.
P. E acha que o Ocidente foi tolerante com esse tipo de extremismo por muito tempo?
R. É um problema das democracias liberais. Acreditam que todos compartilham a mesma visão. Vou dar um exemplo da minha juventude. Vamos para Munique em 1938. Pense no [primeiro-ministro britânico Neville] Chamberlain, que veio para a cidade alemã com um pedaço de papel no qual pedia que Hitlerrenunciasse ao uso da força. Foi entregue e assinado. E Chamberlain vendeu como uma vitória. As democracias liberais podem ser ingênuas, acreditam que uma assinatura em um papel ou uma declaração da ONU significa algo.
P. Acha que algum dia vai entender como ocorreu o Holocausto, de onde vem todo esse ódio?
R. Não consigo compreendê-lo. Queria entender duas coisas acima de tudo: como é possível que as pessoas se sentissem moralmente capazes de fazer isso? E como as instituições sociais e políticas podem se deteriorar de modo a deixar que algo assim ocorra? Nunca consegui uma resposta. O que cheguei a entender é que a ideia do Iluminismo do século XVIII, a imagem de um progresso social constante, foi um grande erro. No século XX, vieram Auschwitz e o Gulag. Isso é progresso? O mundo é um lugar perigoso e sempre será. Devemos aprender a viver com isso.
P. Mas a senhora afirma que todas as desgraças do século passado poderiam ter sido evitadas.
R. Sem dúvida, começando pela Primeira Guerra Mundial, que é o pecado original da Europa. Sem esse conflito, sem a terrível paz que se seguiu, tudo teria sido diferente. Mas não se pode reescrever a história. As coisas aconteceram: o nacionalismo ganhou a guerra contra o cosmopolitismo.
P. Como conseguiu sobreviver ao Holocausto?
R. Como todo mundo que conseguiu sair vivo daquilo, por acidente. Meu pai foi assassinado em Auschwitz, minha mãe e eu estávamos prestes a morrer, mas de alguma forma escapamos. Os Flechas Cruzadas (fascistas húngaros) mataram muitos judeus ao longo do Danúbio, mas pararam antes de chegar na nossa casa. Também atiraram em mim, mas como sou baixa, o tiro passou por cima da minha cabeça. Em outro momento, fomos colocadas em uma fila. Sabia que não deveríamos ficar ali porque iam nos matar e conseguimos escapar. Embora isso não tenha sido sorte, foi instinto.
Agnes Heller em seu escritório
Agnes Heller em seu escritório ZSÓFIA PÁLYI
P. Muitos países se recusam a estudar o envolvimento dos seus próprios cidadãos no Holocausto, não admitem que não foi apenas um crime cometido pelos nazistas. É o caso da Hungria?
R. Nenhum país foi tão ruim quanto a Hungria. Pense que 70% dos judeus franceses sobreviveram a quatro anos de perseguições nazistas e que 500.000 judeus húngaros foram assassinados em seis meses. [O oficial da SS alemã] Adolf Eichmann veio aqui com 300 pessoas. Os nazistas não conseguiriam matar 500.000 cidadãos sem a ajuda dos húngaros. Houve uma enorme cumplicidade.
P. E todo esse passado é um fardo para você ou, ao contrário, é algo que a deixa mais forte?
R. É uma pergunta muito difícil. Na época do Holocausto, a única coisa que tinha em minha mente era a sobrevivência, minha mãe e eu tínhamos que sobreviver. Mas depois, quando eu estava em dificuldades políticas, quando estava na oposição contra o regime comunista, fiz algo diferente. Não só queria sobreviver, queria preservar minha dignidade, continuar sendo filósofa, não renunciar às minhas próprias opiniões, mas tampouco à minha liberdade pessoal. Naquela época, talvez fui valente, porque isso significava continuar sendo uma pensadora, não assumir compromissos com um Governo que desprezava.
P. A senhora mantém que não gosta dos ismos, como o marxismo, porque a fazem defender coisas em que não acredita. Isso significa que sua liberdade como pensadora está acima de tudo?
R. Fui marxista durante uma época, mas desde então não quis nenhum ismo, nem mesmo o de anti-marxismo. É algo que aprendi com Michel Foucault, que nenhum filósofo pode aderir a um ismo. Estávamos juntos em Nova York e um jovem se aproximou de Foucault e perguntou: “Professor, você é estruturalista ou pós-estruturalista?”. E ele respondeu: “Sou Michel Foucault”. Nem todos os filósofos contemporâneos pertencem a escolas, tendências...
Sempre fui uma herege. Quero pensar com minha própria mente o que considero bom ou mau, verdadeiro ou falso
P. O marxismo a obrigou a tomar posições que rechaçava?
R. Sempre fui uma herege. Quero pensar com minha própria mente o que considero bom ou mau, verdadeiro ou falso.
P. Em muitos de seus livros defende a modernidade, a razão. Ainda confia na razão?
R. Não, não confio mais na razão porque os totalitarismos nos ensinaram que os maus instintos podem matar milhares, dezenas de milhares, mas só a razão pode matar milhões de pessoas, porque a ideologia baseada no pensamento racional estabelece que matar é certo. A maldade pode matar alguns, mas é a persuasão, o apelo à razão, que pode levar a fazer as coisas muito mais terríveis.
P. E acredita em algo que possa tornar as pessoas melhores?
R. É uma pergunta difícil. Tenho que acreditar em algo? Talvez possa responder à sua pergunta. Acredito em algo: existem pessoas boas, sempre existiram e sempre existirão. E sei quem são as pessoas boas.
P. Mesmo nos piores momentos da história como o nazismo ou as ditaduras comunistas?
R. Sim, isso é algo que vai contar qualquer um que tenha passado por uma situação assim, pelos gulags ou pelos campos de concentração. Muitos dos sobreviventes devem a vida a alguém que os ajudou.
P. A senhora foi uma das primeiras pensadoras que investigaram o poder da tecnologia na sociedade. Imaginou alguma vez que se tornaria tão grande?
R. Claro que mudou nossas vidas, mas não acredito na velha fórmula marxista de que o desenvolvimento da tecnologia conduz ao progresso da humanidade. É um fenômeno contraditório: a inovação tecnológica pode ser usada para melhorar a vida humana, mas também pode destruí-la. É um meio, não um fim em si mesmo. E não é uma garantia do progresso na história.
P. Os filósofos podem mudar a sociedade em que vivem? A voz deles continua a ser escutada?
R. Marx disse que os filósofos são os intérpretes do mundo e que apenas os cidadãos devem mudá-lo. Embora seja algo que me cause alguns problemas. Primeiro, os filósofos sempre quiseram influenciar a sociedade em que viveram. Nunca se conformaram com explicá-la. Mas a questão é saber com que meios e objetivos queriam fazer isso. E muitas vezes quiseram convencer líderes absolutistas para realizar essas transformações. De Platão e o tirano de Siracusa até Sartre com Fidel Castro ou Khrushchov. É o caminho errado, nunca chegaram a persuadir o ditador de nada, mas seu nome foi manchado. No entanto, há outro tipo de pensador que quer participar na vida pública, convencer a sociedade, oferecer um serviço, como Espinosa e Kant. Sua filosofia era: use-as ou deixe-as de acordo com suas necessidades e interesses, são apenas recomendações. É o que fez, por exemplo, John Locke, que influenciou os pais fundadores da Constituição dos EUA. Nosso dever é escrever livros, dar palestras, servir ao público.
P. Por que há tão poucas mulheres filósofas na história?
R. Há também poucas pintoras ou compositoras. Porque para se dedicar a isso, é preciso liberdade, que é a primeira condição da produtividade na alta cultura. Agora as mulheres podem ser filósofas, condutoras de orquestra, compositoras... A condição é a liberdade.
Agnes Heller em sua varanda em Budapeste
Agnes Heller em sua varanda em BudapesteZSÓFIA PÁLYI
P. De todas as mudanças que a senhora viveu, qual é a mais importante? A mudança na condição da mulher?
R. É a única revolução que não considero problemática e é a maior de nosso tempo, porque não é uma mobilização contra um período histórico, mas contra todos os períodos. A única totalmente positiva, talvez junto com o desenvolvimento dos direitos humanos. Mesmo que nunca seja totalmente implementada, é essencial que seja defendida.
P. Pode haver um retrocesso nesse tipo de progresso?
R. Não acho que podemos regredir por uma razão simples: a tecnologia, que mudou a forma como a casa ou a sexualidade é organizada, com o controle da natalidade.
P. E nesse sentido, podemos ser otimistas?
R. O que é o otimismo? A libertação das mulheres é a única revolução sem áreas escuras. Nenhuma outra foi realizada sem problemas. A igualdade das mulheres, que não está aqui ainda, mas que vai acontecer, também trará novos problemas e retrocessos.
P. O que aprendeu de seus exílios?
R. Gosto de Melbourne, gosto de Nova York, mas minha casa é Budapeste.
P. E como lida com todas as lembranças que tem aqui, algumas terríveis?
R. É a minha casa. Como alguém pode viver sem suas lembranças? Tenho boas e más.
P. Está preocupada com o crescimento do antissemitismo na Europa?
R. Existe em toda a Europa, o problema é quando os Governos apoiam ou criam as condições para seu desenvolvimento.
P. A senhora citou Espinosa e Kant como dois grandes defensores da liberdade. Que filósofos deveríamos ler?
R. A nova geração é formada principalmente por pensadores analíticos, há uma certa falta de originalidade, estão dedicados a resolver problemas, não a criar. A filosofia é um gênero europeu. Todos os pensadores foram refutados por outros, mas resistem a qualquer falsificação porque falam diretamente conosco. Aristóteles disse que Platão estava errado; o mesmo pensou Espinosa de Aristóteles, e Locke sobre as ideias de Espinosa. Não importa. Todos continuam vivos porque nos dão algo precioso: a liberdade de pensamento.

Guillermo Altares trabalhou na agência France Presse em Madri e no desaparecido jornal El Sol. Foi repórter de guerra em países como Afeganistão, Iraque e Líbano para a seção internacional do EL PAÍS onde, mais tarde, foi redator-chefe. Dirigiu por um tempo Elpais.com e Babelia. Atualmente dirige a seção Ideas no mesmo jornal