Por Duílio Fabbri Jr.
A reforma na lei eleitoral, feita no ano passado e que entrou em vigor para as eleições deste ano, traz novas preocupações aos órgãos de imprensa. Um dos novos artigos reduziu o tempo da campanha eleitoral de 90 para 45 dias, começando em 16 de agosto. O período de propaganda dos candidatos no rádio e na TV também foi diminuído de 45 para 35 dias, com início em 26 de agosto para o primeiro turno. Os partidos vão ter direito a 70 minutos todos os dias em inserções distribuídas aos candidatos a prefeito (60%) e a vereador (40%). As inserções podem ser de 30 ou 60 segundos cada uma. Mas não é só isso.
Uma mudança significativa que diz respeito particularmente à televisão refere-se ao debate. A nova redação do caput do artigo 46 da Lei nº 9.504/1997, introduzida também pela reforma eleitoral, passou a assegurar o direito à participação nesses programas dos candidatos de partidos com representação superior a nove deputados federais. Aos demais, fica facultada.
A área de política é, inclusive, a mais sujeita a erros na cobertura jornalística. Fazer regras e convites e estabelecer a cobertura de debates, por exemplo, sempre trouxeram muita dor de cabeça para quem atua em televisão. Quem, ao pensar em debate, ainda não traz à memória o ocorrido entre Lula e Collor, na Rede Globo em 1989? E, pensar nisso, é rememorar, imediatamente, a ideia de erro.
“Desculpe a nossa falha”. “Houve um problema com os nossos equipamentos e voltamos já!” Essas são algumas frases que se tornaram jargão em redações de televisão, quando existe um erro editorial ou mesmo de engenharia, responsável por equipamentos e transmissões. Entretanto, esse erro pode ser também um forte indício de um embate ideológico, como explicaria Michel Pêcheux, autor dos livros mais importantes da área de Análise de Discurso. O “erro” – ou aquilo que é assim nomeado pelos próprios veículos de comunicação – não pode ser simplesmente compreendido como uma contravenção às práticas e aos fundamentos jornalísticos. Evidencia muito mais.
Como o assunto é debate eleitoral, retomemos. Há pouco mais de um ano, em abril de 2015, a Rede Globo veiculou no Jornal Nacional, seu principal telejornal, uma série de reportagens para comemorar 50 anos de implantação do canal. Durante a série, em dois momentos a emissorareconheceu a existência de “polêmicas” (conforme nomeação dada pela emissora) na editoria de política.
A primeira dizia respeito à cobertura do movimento das Diretas Já, em 1984, quando o fato foi mostrado nos telejornais apenas como parte das comemorações pelo aniversário da capital paulista, sem que houvesse uma delimitação do que era festejo e o que se reconhecia como manifestação popular pelo direito ao voto. O segundo momento, que mais nos interessa aqui, foi também relativo à editoria e retomou a edição do debate entre Lula e Collor.
Os assuntos, que, segundo o âncora do Jornal Nacional e autor do projeto jornalístico, William Bonner, eram “polêmicas” ou “interpretações”, acabaram corroborando para o fato de serem considerados como “erro” por especialistas e por parte da população. A palavra “erro”, no entanto, não foi utilizada quando a série de TV abordou o assunto. Ela ficou restrita ao site Memória Globo,no qual o tema também é retomado, embora se saiba que o público de TV aberta e o de internet, que acessa a especificidade de um site institucional, seja bastante diferente.
Para um campo que busca os efeitos da objetividade, da credibilidade e da imparcialidade, os erros, em geral, são pouco discutidos e abordados pelos veículos jornalísticos. Prova disso é que as correções ou retificações acabam por ocupar espaços de pouco destaque, em nomeações que, como se viu no caso que retomamos, não assumem diretamente o erro. É comum ouvir, por exemplo, na televisão: “Diferente do que informamos…”, “Por causa de uma falha técnica…” ou, então, “criou-se uma polêmica”.
A grande questão que se coloca, no entanto, é que o “erro” é também ideológico, produz sentidos que não serão apagados depois; vão se constituir como memória e, de modo geral, para não impactar os efeitos de objetividade, serão amenizados ou tratados de forma superficial. Particularmente sobre o caso que aqui retomamos, falar sobre esses fatos em uma série que resgata a história da Globo, parece ter tido mais a pretensão de estabelecer uma identificação, numa relação de troca para que a justificativa do jornal seja compreendida e aceita pela audiência.
A produção de debates eleitorais no Brasil para sempre estará marcada por esse fato, ocorrido logo na primeira eleição presidencial pós-ditadura militar, o que também é significativo quando se pensa na relação entre poder e mídia. Quase 30 anos depois, as novas regras eleitorais para os debates tentam ser mais equânimes e objetivas, mas, quando se fala de memória, não se pode esquecer também todos os discursos que, fora do período de eleições, são produzidos sobre políticos e (futuros) candidatos. No jogo discursivo, o debate vai se constituindo pela memória, construída a cada novo enunciado e marcada por tudo o que já foi dito.
Por essa evolução e percepção social, as empresas jornalísticas – e aí se inscreve também a Rede Globo – são pressionadas a abandonar a aura de infalíveis e a revelar, de alguma forma, o que mais tentam esconder como forma de autopreservação.
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Duílio Fabbri Jr. é jornalista, mestre e doutorando em Jornalismo
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