Várias facetas podem ser observadas para o que se denomine identidade sexual.
Alguma confusões surgem ao se utilizar indistintamente palavras misturando significados. Muitas vezes podemos ouvir a frase “identidade sexual” querendo referir-se a objeto do desejo sexual, geralmente querendo distinguir heterossexualidade da homossexualidade ou da bissexualidade. Esta é uma postura leiga que não inclui outras possibilidades de escolhas sexuais, a exemplo de objetos propriamente ditas, excluindo-os dos discursos, como se o fossem fazer da vida das pessoas.
Algumas definições valem nestas distinções:
- A frase papel de gênero apareceu a primeira vez na literatura em 1955, utilizada por John Money. Em 1966 surge a frase identidade de gênero. Money (1993) apresenta a idéia de que sexo é o componente orgânico/genético (masculino, feminino e intersexo) e gênero (masculino, feminino e andrógino) como o que nos tornamos socialmente.
- Identidade de gênero é o sentir-se masculino ou feminino de forma convicta e convincente, e assim se identificar para si mesmo e para os outros, utilizando-se dos meios sociais e do curso do pensamento individual.
- O papel de gênero (Money, 1993) diz respeito aos estereótipo social do ser homem ou do ser mulher.
Alguns questionamentos merecem atenção:
Uma vez que a identidade seja reconhecida numa relação ela é assumida como produto e não como produção, e para se manter assim, se faz necessária a re-atualização através de rituais sociais, reposição como algo já dado, retirando em conseqüência, o caráter de historicidade, aproximando-a da noção de mito que prescreve condutas corretas, reproduzindo o social. A reposição da identidade deixa de ser vista como sucessão temporal passando a ser vista como simples manifestação de um ser idêntico a si-mesmo em permanência e estabilidade (Ciampa, 1985, pag. 66-7). A mesmice de mim é pressuposta como dada permanentemente, e não como re-posição de uma identidade que uma vez foi posta (Ciampa, 1985, pag. 67). As atividades de indivíduos identificados são normatizadas tendo em vista manter a estrutura social, vale dizer, conserva a identidade produzida, paralisando o processo de identificação pela re-posição de identidades pressupostas, que um dia foram postas. A identidade é a representação do estar sendo, onde o ser o que se está sendo é uma parcela da humanidade que nega o que se é sem se estar sendo, a humanidade total. “A identidade, que surge como representação do meu estar-sendo, se converte num pressuposto de meu ser (como totalidade), o que formalmente, transforma minha identidade concreta (entendida como um dar-se numa sucessão temporal) em identidade abstrata, num dado atemporal-sempre presente (entendida como identidade pressuposta re-posta)”. “Desta forma eu me represento a outrém, não sendo minha totalidade nem me mostrando ‘sendo’; representação:
- eu me represento enquanto estou sendo o representante de mim (com uma identidade pressuposta e dada fantasmagoricamente como sempre idêntica);
- eu represento, em conseqüência, enquanto desempenho papéis (decorrentes de minhas posições) ocultando outras partes de mim não contidas na minha identidade pressuposta e re-posta (caso contrário eu não sou o representante de mim);
- eu represento, finalmente, enquanto reponho no presente o que tenho sido, enquanto reitero a apresentação de mim – re-apresentado como o que estou sendo – dado o caráter formalmente atemporal atribuído à minha identidade pressuposta que está sendo reposta, encobrindo o verdadeiro de minha identidade (como uma sucessão do que estou sendo, como devir).” (Ciampa, 1985, pag. 69).
Nas culturas ocidentais, o gênero (tanto o feminino quanto o masculino) não apresenta alternativas outras que não seja a pertença a um dos dois gêneros (masculino ou feminino). Esta padronização iniciada desde antes do nascimento pode trazer conflitos ao adolescente. A escolha prévia do nome da criança, por parte dos pais, já prenuncia os desejos dos pais em, ter um filho ou uma filha. Na frustração dos pais, ao nascer uma criança do sexo oposto, conflitos se instalam na criança muito cedo na infância, pois passam a haver cobranças ambivalentes que não confirmam (e antes, desconfirmam) o gênero ligado ao fenótipo genital).
John Money (1992) apresenta a idéia de que pode haver uma terceira alternativa para os gêneros masculino e feminino: a androginia. Nesta condição a pessoa não se encontra em situação conflitante, antes, encontra nesta condição de identidade a união dos gêneros tradicionais e desenvolve qualidades de ambos os gêneros (“sexos”).
A androginia já havia sido precognizada como uma saída de desenvolvimento de identidade. Bem (1974, 1975) cunhou a frase “androginia psicológica” significando a possibilidade de uma pessoa assimilar qualidades e capacidades do gênero oposto, o que vem a facilitar o desenvolvimento e sucesso social, segundo aquela pesquisadora mesmo pode confirmar com as pesquisas posteriores. A psicóloga americana considera este papel sócio-sexual andrógino podendo ser uma forma de maior saúde psicológica.
A posição andrógina do adolescente pode ser uma forma de experimentar ambas possibilidades de identidade genérica, antes de solucionar o conflito que se lhe apresenta nesta fase da vida (Rodrigues Jr., 1991).
Devemos, enfaticamente, no entanto, distinguir a identidade andrógina da escolha objetal bissexual. Um adolescente que esteja desenvolvendo uma forma de identidade andrógina não tem que ter escolha objetal homossexual, mas pode ser encarado socialmente assim, o que o conduz à busca de uma identidade convencional através da escolha objetal heterossexual .
A identidade ou papel de gênero é singular e não plural, mas também é bi-dimensional, tal qual uma moeda e seus dois lados. Gênero engloba sexo e eroticismo (Money, 1985).
Money (1992) afirma um primeiro passo na diferenciação de identidade de gênero: questões genéticas e hormonais em especial agindo sobre o hipotálamo. Nestas situações, outras condições psiquiátricas devem se associar, mostrando-se ao longo da infância e adolescência. Situações orgânicas mostravam-se mais evidentes (ao menos por análise e mapeamentos genéticos): hermafroditismos e intersexualidades.
Money refere que a identidade de gênero é muito mais que o sexo que inclui, muito mais do que apenas o fenótipo ou o critério da genitália externa. A identidade de gênero engloba o status de homem ou mulher, masculino ou feminino (ou misto) no critério de premissas múltiplas pessoais, sociais e legais, incluindo a orientação sexuoerótica (Money, 1985).
Embora as atribuições físicas sempre tenham sido usadas para corroborar a identidade de mulher ou de homem, na década de 70, médicos iniciam o discurso que as diferenciações musculares e de distribuição de gordura, esqueleto e cabelos não estão por completo sob domínio genético (Andrade, 1970). A forma física e mesmo as funções não são masculinas ou femininas apenas por ter uma pessoa nascido homem ou mulher.
Na década de 70, autores, a exemplo de Hampson (1970) iniciam o discurso de que “o papel genérico do sexo psicológico” parece ser aprendido, ou seja diferenciado por meio de aprendizagem durante o crescimento do indivíduo. O ser humano nasceria neutro no que respeitaria ao conceito de identidade de gênero, no que apontava a diferenciação de postulados psicanalíticos de uma bissexualidade psicológica constitucional inata.
Devemos aqui, distinguir a identidade de gênero, enquanto “identidade sexual”, dos papéis sexuais, que compreendem parte dos papéis sociais. Devemos entender que a identidade de gênero não apenas compreende os papéis sexuais, como tende a defini-los através da modelagem social. Identidade de gênero tem sido caracterizada enquanto elaboração cultural (Money, 1985) de aparência pessoal (Bem, 1989, segundo Marante, 1994).
Guimarães (1995) refere a identidade pessoal como o processo-base da identidade sexual.
Nas pessoas integradas com seu sexo genital, estes são fonte direta das sensações e confirmação de seu gênero; pênis e escroto são provas diretas da masculinidade e identidade masculina para os homens.
Telford e Sawrey (1977) definem o papel como modos de agir, socialmente prescritos, em determinadas situações. Os papéis seriam definidos culturalmente e dependem de crenças e expectativas partilhadas pelo indivíduo e pelos outros.
Para Telford e Sawrey (1977), os papéis sexuais são ditados pela sociedade e definem-se em termos de roupas, atitudes, interesses, fala e ocupações. Telford e Sawrey descrevem as características dos papéis em decorrência do sexo (masculino/feminino):
“o menino é mais ativo, agressivo, barulhento e sujo; joga futebol e pode tornar-se engenheiro. Mais sossegada, submissa, asseada, a menina brinca de casinha, costura para as bonecas, gosta de música e prefere roupas cor-de-rosa a roupas azuis.” “… a tipificação dos homens é mais rígida que a das mulheres.” (Telford e Sawrey, 1977, pag. 487)
As normas culturais formatam os papéis sexuais baseados no sexo biológico (Ruch, 1984; Satten, Savells e Murray, 1984).
Como parte do papel sexual, a escolha de objeto para relacionamento sexual se torna muito freqüente e considerada parte deste mesmo papel. Parker (1994), considerando a heterossexualidade e a homossexualidade como construções sociais, apontam como estas classificações passaram a ser mais comuns com o surgimento da AIDS, embora menos significativas que as classificações de “atividade” e “passividade”, papéis dentro do ato sexual e manifestações diferentes da masculinidade e feminilidade. As características dos papéis sexuais são construídas através de certa fluidez e de acordo com os diferentes grupos e subgrupos sexo-sociais no Brasil. Parker, advindo de contexto cultural diferente de seu objeto de estudo, neste mergulhado, passa a apontar as formações dos papéis sexuais de modo diferente do que é definido, demonstrando as diferenças oficiosas decorrentes de diferenças sociais e das construções sociais destes diferentes grupos.
Astrachan (1989, pag. 344) traz um exemplo interessante sobre um homem que tem problemas de ereção por não poder dizer “não” quando não queria fazer sexo, mas que, seguindo conselhos de amigos aceitou convites sexuais de mulheres interessadas nele. Ao tentar seguir os padrões exigidos socialmente para o seu papel masculino, o homem citado não percebia suas emoções. Para ser homem, para se mostrar homem, e para se sentir homem, o exemplo de Astrachan deixava seus próprios sentimentos de lado. O padrão de masculinidade, o papel sexual exigido socialmente do homem o faz colocar de lado a si mesmo. Astrachan associa estas questões às questões de poder no contexto social ligado às formas homem e mulher.
Assim encontramos as primeiras referências à identidade masculina, através do papel sexual prescrito socialmente ao homem e de modo mais rígido do que o que ocorre com as mulheres.
Parker (1989) aponta para a construção social dos papéis masculinos e femininos na sociedade brasileira baseados numa sociedade profundamente patriarcal herdada da colonização portuguesa. De Souza e Hutz (1995) concordam e se referem ao reforço de sistemas de interdição religiosa (por exemplo, o sexo significando procriação) e localização de poder (por exemplo o homem tendo poder sobre a mulher). De Souza (1992) afirma que o homem e a mulher são expostos e reforçados pelos scripts sexuais tradicionais e que são imersos numa estrutura social-econômica e política que contribuem para a sensação de perda de controle ao terem que se adaptar à ordem social em mudança.
Os papéis sexuais tem sido muito usados nas discussões relacionadas a travestismo, homossexualidade e transexualidade. Embora possa ser parte da discussão, os papéis sexuais são contexto secundário para determinação daquelas condições.
Em publicação mais tardia, seu sétimo livro sobre o assunto, Stoller (1993) apresenta cinco fontes das quais resulta a identidade de gênero nuclear:
- uma ‘força’ biológica: originado-se na vida fetal e comumente genética em sua origem, esse efeito – tanto quanto se sabe – emerge da organização neurofisiológica (sistema nervoso central) do cérebro fetal;
- A designação do sexo no nascimento: a mensagem que a aparência dos genitais externos do bebê leva àqueles que podem designar o sexo – o médico que está atendendo e os pais – e os efeitos inequívocos subseqüentes desta designação para convencê-los do sexo da criança;
- A influência incessante das atitudes dos pais, especialmente das mães, sobre o sexo daquele bebê, e a interpretação destas percepções por parte do bebê – pela sua capacidade crescente de fantasiar – como acontecimentos, isto é, experiências motivadas, significativas;
- Fenômenos ‘biopsíquicos’: efeitos pós-natais precoces causados por padrões habituais de manejo do bebê – condicionamento, ‘imprinting’ ou outras formas de aprendizagem que, nós imaginamos, modificam permanentemente o cérebro do bebê e o comportamento resultante, sem que os processos mentais do bebê o protejam deste ‘input’ sensorial. Esta categoria está relacionada com o ítem 3; ela é listada separadamente por uma questão de ênfase, e para distingui-la dos processos mentais (também resultado das influências dos pais) com os quais nós estamos mais familiarizados, tais como a ansiedade de castração;
- o desenvolvimento do ego corporal: a miríade de qualidades e quantidades de sensações, especialmente dos genitais, que definem o físico e ajudam a definir as dimensões psíquicas do sexo da pessoa, confirmando, assim, para o bebê as convicções dos pais a respeito do sexo de seu filho.” (Stoller, 1993, pag 29-30)
É necessário acrescentar a estes ítens de Stoller a questão dos processos de pensamento que se desenvolvem no indivíduo em interação constante e dialética indivíduo-sociedade. Sob influência social, alguns processos de pensamento tornam-se mais comuns, e muitas vezes agem, irracionalmente, contra o próprio indivíduo. A tendência geral de processos de pensamento estereotipados auxilia a manter os padrões de gênero estereotipados e de modo convencional. Os processos de pensamento desenvolvendo-se desde a infância, sedimentam-se com a adolescência, produzindo um adulto acrítico e incapacitado de discutir consigo mesmo alternativas de papel de gênero, confundindo-o com a identidade central.
A identidade de gênero é autorrevelada aos outros através de palavras e comportamento, e é publicamente conhecida e reconhecida. Porém, as outras pessoas sempre sabem menos do que o indivíduo sobre a totalidade do gênero deste, o que as faz construir, em segunda mão, as evidências da identidade de gênero de tal indivíduo, cujas evidências são de acesso apenas dele. O gênero somente pode ser certeza para o indivíduo.
Desde a década de 60, Stoller (1993) refere-se à frase identidade de gênero significando masculinidade e feminilidade encontradas em todas as pessoas em formas e graus diferentes. Assim, ao aplicar esta idéia, afirma que:
“embora a masculinidade combine com a qualidade de ser homem e a feminilidade com a qualidade de ser mulher, sexo e gênero não estão, necessariamente, de maneira direta, relacionados” (pag. 28).
- desenvolvimento da identidade de gênero
Chodorow (1978) sugeriu que o desenvolvimento da identidade de gênero em homens e mulheres deve ser diferente nos estágios mais tenros da vida da pessoa. A diferença adviria na interação da criança com os pais, especialmente com a mãe. A identidade de gênero masculino, segundo Chodorow, adviria da experiência da mãe em diferenciar-se, em perceber-se diferente do menino-filho, e como a mãe o afasta fisicamente mais do que o faria com a menina. Este afastamento provocaria a identificação com o pai distante e a perda da empatia com a mãe.
A consciência de sexo, do gênero, da identidade e dos papéis sexuais parece estar formada aos 3 anos de idade. Belotti (1973) apontava que crianças até três anos de idade de ambos os sexos comportam-se de maneira idêntica, brincando com os mesmo brinquedos e da mesma maneira. A formação desta identidade genérica pode ser observada por estudos de diferenciação de tratamento, pela mãe, para meninos e meninas (Lézine, 1965).
Kholberg considera a identidade sexual como produto do desenvolvimento cognitivo. A identidade de gênero, a classificação cognitiva de si mesmo como menino ou menina, é considerada por Kholberg (1966; Kohlberg e Ullian, 1974) como a categoria básica, o fator organizador central das atitudes relativas ao papel sexual. Para que estas atitudes ocorram, a criança deve se reconhecer como menino ou menina, tendo que se sentir seguro da invariabilidade deste conceito, a criança tem que construir o que Kholberg chama de constância de identidade de gênero.
Retomando o trabalho de Piaget, o desenvolvimento das constâncias conceituais foi analisadas por Carmen Pierres (1994) em termos de conservação das propriedades dos objetos físicos através das mudanças aparentes. Piaget demonstrou que as crianças não constróem as noções de conservação até a idade aproximada de 6 ou 7 anos. Da mesma maneira, Kholberg considera que a identidade de gênero não chegará a constituir-se como uma categoria lógica, firme, até que a criança alcance o período de operações concretas e com ele a conservação.
A identidade de gênero se constrói nos primeiros 7 anos de vida e se inicia com a aprendizagem verbal dos qualitativos “menino” e “menina”, mesmo que as crianças já se apliquem corretamente estes conceitos ao final do segundo ano de vida. Nos 2 ou 3 anos seguintes, as crianças tendem a aprender também a reconhecer nos outros o gênero, baseando-se em um conjunto de critérios não totalmente definidos, o que conseguem fazer com resultados parcialmente corretos.
Nos 4 ou 5 anos, as crianças são igualmente capazes de generalizar corretamente a denominação do gênero a bonecas (com esta idade as crianças tendem a conhecer o grupo genérico pelos critérios físicos gerais como o vestir-se ou o estilo do cabelo). Aqui elas tem certa consciência de que o gênero não pode mudar, mas não será até os 6 ou 7 anos que a maioria das crianças estarão seguros de si mesmos de que o conceito da identidade sexual é irreversível, que um menino será sempre um menino e que uma menina será sempre uma menina, independentemente das mudanças na aparência ou comportamento. Segundo Kholberg, entre os 4 e 7 anos, o conhecimento das diferenças genitais não conduzem diretamente a usá-las como critério básico de classificação sexual. Isto contrasta com a definição adulta de identidade sexual, a qual se centra nas diferenças genitais. Na criança a importância dos genitais crescerá , primeiro ao dar-se conta de que é a base de classificação dos sexos (6 ou 7 anos), posteriormente quando desenvolve uma idéia definida do ato sexual.
As mudanças no desenvolvimento cognitivo relacionados com a identidade de gênero, refletiram nas mudanças em atitudes e valores relacionados a outros aspectos do desenvolvimento psicossexual, entre eles estão os atributos que classificam as crianças com os estereótipos masculinos e femininos.
Igualmente ao conceito de identidade de gênero, os conceitos referentes a estereótipos familiares masculinos e femininos desenvolvem-se paralelamente. Estes estereótipos aparecem com cerca de 6 a 7 anos e apresentam elementos universais.
Os estereótipos masculino e feminino, de acordo com Kholberg, não se aprendem por transmissão direta de padrões específicos de um grupo familiar, mas são criados pela criança mediante interpretação ativa de uma ordem social que faz uso de categorias sexuais segundo conotações culturalmente universais. Estes correspondem a uma conquista comum a todas as crianças de um grupo etário, independentemente de diferenças familiares, sociais, culturais, econômicas ou ideológicas, e mais, com ou sem a presença de modelos paternos e maternos.
A construção dos estereótipos masculino e feminino deriva principalmente de duas situações específicas: as diferenças enquanto estrutura corporal do homem e da mulher e as diferenças designadas pela sociedade aos papéis extra familiares do homem e da mulher (a exemplo de designar aos homens os papéis de maior força e poder).
Se aos 6 ou 7 anos o conceito físico dos estereótipos sexuais se concluíram, o passo seguinte no desenvolvimento cognitivo é a determinação dos estereótipos em termos de lugar que ocupam na sociedade. Neste nível as crianças enfocam as diferenças em termos de papéis sexuais definidos pelas ocupações sociais típicas atribuídas a cada sexo. Neste caso, os homens e mulheres são vistos como sujeitos que cumprem um papel particular dentro de um sistema social mais amplo. No último nível, as características do estereótipo são escolhidas num nível pessoal, baseada numa concepção individual. Esta seleção não corresponde necessariamente a um estereótipo social determinado e está baseada na necessidade de reciprocidade e igualdade dos indivíduos dentro do contexto das interrelações sexuais.
A aprendizagem cognitiva dos conceitos relativos ao papel sexual e aos estereótipos básicos, leva a desenvolver os valores masculinos e feminino. Este processo, igualmente aos anteriores, é produto de uma construção cognitiva da criança, onde, nem as pressões sociais, nem o ensinamento direto tornam-se primordiais.
O ambiente social tem exercido (sempre o fez, deixe-se claro) uma função direcionadora sobre o papel de gênero e as identidades sexuais (ou não) das pessoas. A mídia escrita, falada e televisiva tem reproduzido os estereótipos concedendo-lhes foros realidade natural. Faz-se necessário afirmar veementemente que a identidade sexual e de gênero são criações sociais que são desempenhadas pelas pessoas de modo como se fossem naturais, não o sendo ou podendo ser mudadas por meios cognitivos, a exemplo da mídia. A determinação social, no entanto, pode ser limitada através dos mecanismos individuais dos processos de pensamento. A auto-identidade deve ser o objetivo para as pessoas desde a adolescência, quando o processo é facilitado e permite uma vida mais longa pela autodeterminação. De outra forma, alguns adultos poderão promover-se em suas identidades mais tarde, geralmente através de uma situação vivenciada como uma “crise de identidade”, refazendo o passo adolescente que culminara numa identidade convencional, não questionada, sendo apenas mais um na multidão…
Nos últimos anos a questão com comportamento de macho e os aspectos negativos tem aparecido mais freqüentemente na mídia. Livros passaram a ser escritos e mesmo nas revistas leigas o assunto identidade masculina tem sido apresentado e debatido. O papel mais assertivo da mulher tem sido exaltado desde a década de 70 no Brasil através das revistas femininas e do movimento feminista. A mídia somente produz influências quando da socialização secundária, pois não tem presença direta sobre os primeiros anos de uma pessoa, somente através dos pais desta criança.
A mídia, no entanto, não exerce papel predominante, engana-se quem assim o pensa!
Os pais são outra fonte muito importante em se considerar no que respeita a formação da identidade sexual dos filhos. Sendo modelos para os filhos, pais e mães são as primeiras referências que aqueles tem para desenvolverem as identidades e papéis sexuais. Através de mecanismos infantis facilmente percebidos pelos pais, a criança imita para desenvolver-se. Imita aos pais para serem adultos. Mas a função dos pais na formação da identidade sexual dos filhos também é restrita, embora mais fundamental que o papel da mídia. Os pais, sendo os meios sociais de formação da pessoa nos primeiros anos de vida, oferecem as direções para onde as crianças se dirigirão em termos de identificarem-se em seu gênero e os estereótipos sexuais, fornecendo os guias para os papéis sócios-sexuais. Mas enganam-se os pais que se consideram culpados ou extremamente responsáveis sobre como será a identidade dos filhos. Talvez até sejam mais responsáveis pela identificação que demonstram durante a infância, mas deve haver um outro e terceiro aspecto a ser considerado que é mais determinante que estes dois primeiros.
Desde o início da vida fazemos escolhas. Nem sempre nossas escolhas são racionais, nos direcionam para um esenvolvimento e estão de acordo com projetos de vida. Para uma criança, um projeto de vida é algo longínquo e fantasioso de modo impossível. Pouca racionalidade pode haver nas escolhas de uma criança, até se tornar adolescente! Mesmo assim a criança faz escolhas. Em interação com o ambiente as escolhas vão sendo feitas desde o nascimento e se cristalizando, repetindo-se transformam-se em hábitos, vícios, preferências e gostos. Nos primeiros sete anos de vida concretiza-se a identidade de gênero. Os papéis sexuais vão sendo treinados até o final da adolescência quando pode permitir uma opção, mesmo que não voluntária. Os conflitos, as forças contrárias vão produzindo saídas e concretizando formas e maneiras de ser que são partes de uma identidade geral que se forma. O indivíduo se esforça em reproduzir-se para perceber-se igual e, convencido, busca convencer aos outros de como é em termos de sexualidade e de objetos de prazer. A pessoa tem dentro de si o aspecto mais importante na formação da identidade sexual: o pensamento e como ele produz (e reproduz) o ser de uma maneira ou outra. Ao pensar predetermina como será, vindo a ser concretamente pelo pensamento.
Faz-se necessário perceber que existe uma identidade central independente dos vários papéis (ou identidades) que vivencia e assume uma pessoa. É este cerne que permite à pessoa superar formas anacrônicas ao correr da vida, ou perceber-se capaz de mudar os rumos de sua vida através de planos e projetos que desenha para a própria vida futura. Aqui nos deparamos com a possibilidade da androginia psicológica anteriormente apresentada. Ao deparar-se com os problemas insolúveis ou muito dispendiosos de serem solucionados pelos meios transmitidos culturalmente, a pessoa muda alguns ítens de seus papéis e assume formas emocionais que independem do gênero e do papel de gênero aprendido. Ao desenvolver novas características de expressão e interação com o mundo a pessoa (a partir da adolescência até o final da vida) deixa a fase convencional de ser podendo encontrar uma identidade pós-convencional, adequada com uma sociedade pós-moderna que necessita de novas formas de comunicação.