Paula Maciulevicius
Até hoje flashes do que levou Adelino para trás das grades aparecem na memória do ex-presidiário que se descobriu artista pintando quadros como terapia no hospital psiquiátrico. O surto que terminou num duplo homicídio em Terenos ganhou um novo capítulo através das Artes e virou até profissão.
As paredes do Hospital Nosso Lar, em Campo Grande, são estampadas pela obra de Adelino. Paciente que sofre de transtorno orgânico, mais alcoolismo e que esteve internado do final de 2010 até o início de 2015. Hoje, dois anos depois de ter cumprido pena e estar de alta, seu Adelino vive em Itacarambi, Minas Gerais, com os irmãos e por telefone conversa com a gente.
"Eu tive um surto entendeu? Porque quando eu tinha 2 anos de idade, tive uma crise, mas não foi isso. Com 14 anos, essa crise se apresentou de novo. Que surto é esse? Não sei, eu tenho depressão, tomo remédio controlado até hoje", descreve Adelino Nunes de Macedo, de 51 anos.
O que o levou para a internação foi um destes surtos. "Na crise, eu cometi um crime e fui preso. Depois fui do presídio para o hospital. Quanto tempo passei lá dentro? Acredito que mais de quatro anos", conta.
Sem estudo quando menino, sentiu na internação tristeza e depressão até que foi, como classifica, "resgatado" pela equipe multidisciplinar do hospital para participar do ateliê. "Quando fui para o ateliê, fui desenvolvendo bem o meu trabalho. As primeiras obras que fiz não recordo, porque tenho - como chama? Ah, fuga de memória", justifica.
Adelino nunca tinha tido qualquer contato com as artes. Não pintava e nem desenhava e sentia dentro de si que um pouco do passado se desprendia nas cores. "Para mim é realmente triste e de fato para os meus filhos e a minha família e mesmo aqui, ainda lembro disso à noite e a sensação é muito ruim", descreve.
Pintar lhe fazia se sentir bem. "Sei lá, é a coisa que eu mais adoro. Desde criança gosto de escrever, já fazia algumas coisinhas, compor música para mim mesmo", narra. A primeira arte trabalhada no ateliê do hospital veio de um trabalho copiado. "Eu estava vendo aquela revista Cláudia e fiz uma cópia. Foi assim que comecei a desenvolver o trabalho. Só que hoje a minha obra é criada, eu não sei o que vou fazer", diferencia as etapas.
A preferência é por cores. "Colorido, gosto, paisagem. Todas as cores", diz. Com afeto, as primeiras pinturas são marcas que ele leva até hoje. "A gente fazia de jornal e revista, colocava de molho de um dia para o outro e batia no liquidificador industrial. Fazia todo aquele processo, depois passava giz de cera de várias cores. Era reciclar o papel", explica.
Quando os quadros começaram a ser vendidos através do ateliê do Nosso Lar, a família de Adelino quem recebia o dinheiro. "Eu repassava para eles. Tenho quatro filhos, na época uma era de menor", frisa.
O tempo passado no Nosso Lar foi todo reproduzido em quadros. Fora os que já foram vendidos, são mais de 50 que ainda estão na instituição. Em Minas Gerais, estado onde Adelino vive desde agosto de 2015, o trabalho é artístico e quando não aparece oportunidade, a reciclagem entra em cena.
Se reconhecer como artista não fora um processo simples. Foi preciso que alguém atribuísse isso a ele. "Foi um professor da Uniderp que vinha com os estagiários no ateliê. Ele me perguntou se eu me considerava artista, eu falei que não. E ele: 'Adelino, se você colocou a sua assinatura, não importa se é bonito ou não, você é um artista'", reproduz.
Desde então, todas as obras e trabalhos levam o nome dele, além das cores.
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