De 110 pacientes bariátricos operados em 2014, 45 não passaram por consulta ambulatorial regulada; no MPE há duas investigações para desvendar esquema
João Humberto
O médico Jaime Yoshimori Oshiro é investigado pelo MPE (Ministério Público Estadual) por cobrar até R$ 2,5 mil de pacientes bariátricos para operá-los via SUS (Sistema Único deSaúde), sem emitir recibo comprobatório. Dois inquéritos investigam suposto esquema de favorecimento em cirurgias bariátricas mediante pagamento em 2014, quando de 110 procedimentos, 45 não passaram por consulta ambulatorial.
Conforme inquérito conduzido pelo promotor Alexandre Pinto Saldanha Capiberibe, da 30ª Promotoria de Justiça do Patrimônio Público e Social, funcionários públicos do sistema regulatório municipal e estadual, além de médicos da Santa Casa, estariam envolvidos no esquema de cobrança indevida para que diversos pacientes obesos burlassem fila de espera e fossem submetidos a cirurgias bariátricas custeadas pelo SUS.
Funcionário da Sesau (Secretaria Municipal de Saúde) recebeu ligação anônima de um paciente usuário do SUS no dia 24 de fevereiro de 2015, informando que fez a cirurgia na Santa Casa com o médico Jaime Oshiro, após pagamento de R$ 2.500,00. O paciente burlou o sistema de regulação de vagas e conseguiu ser operado diante da propina.
O paciente disse que na sala de espera para entrega de exames e agendamento de consultas antes da cirurgia, perguntou a outras pessoas que fariam o mesmo procedimento a respeito do pagamento. Recebeu a seguinte informação: “Ele não opera se não pagar. Para operar tem que pagar”.
Na denúncia o paciente detalhou que funcionários que atuam no sistema regulatório municipal e estadual estariam envolvidos no esquema de vantagem. O MPE desconfia que mais médicos participaram cometeram irregularidades.
Antes, no dia 14 de setembro de 2014, o então secretário de Estado de Saúde, Antonio Lastória, recebeu ligação anônima no gabinete de uma paciente do SUS que mora no interior. Ela denunciou o esquema.
A denúncia fez o Lastória encaminhar ofícios ao então presidente da Santa Casa, Wilson Teslenco, e ex-secretário Municipal de Saúde, Jamal Salem, para avisá-los sobre o fato. A ação desencadeou auditoria que constatou as irregularidades.
Depósito – Uma mulher que mora no em Dourados e fez a cirurgia bariátrica na Santa Casa de Campo Grande entrou em contato com o médico Jaime Oshiro e mediante depósito de R$ 1,5 mil numa conta bancária, conseguiu ser operada dias depois sem ter que amargar na fila de espera.
Consta no inquérito da 30ª Promotoria que a paciente tinha que procurar um vereador em Dourados, que recomendaria com quem ela teria que conversar na Santa Casa. No dia e horário combinados, a mulher veio a Campo Grande e se encontrou com a pessoa que participava do esquema.
Após o depósito de R$ 1,5 mil, ela teria que esperar seu nome aparecer no sistema de regulação. Como sabia que outra pessoa já tinha feito o procedimento, decidiu arriscar e recebeu o telefonema. A cirurgia foi feita por Jaime e outro médico, identificado apenas com o nome de Francisco.
No período em que esteve internada, esta paciente manteve contato com pacientes de Nova Andradina e Mundo Novo, que informaram também ter participado do esquema.
Em Ivinhema, cidade distante 282 km de Campo Grande, a secretária municipal de Saúderecebeu em junho de 2014 ligação anônima de um homem que disse ter recebido proposta de uma pessoa identificada como “Tutinha Preta” para que fizesse cirurgia bariátrica na Santa Casa mediante pagamento. A denúncia foi encaminhada à SES (Secretaria de Estado de Saúde), segundo consta no inquérito.
Auditoria – Em 23 de novembro de 2015, o secretário municipal de Saúde de Campo Grande, Ivandro Fonseca, encaminhou ofício à 30ª Promotoria informando que havia aberto processo preparatório para apurar as denúncias. Já no dia 7 de janeiro deste ano, o secretário foi intimado a encaminhar documentos da auditoria ao MPE.
A auditoria feita pela Sesau constatou que em 2014 foram realizadas 110 cirurgias bariátricas na Santa Casa, sendo 79 procedimentos de gastroplastia com derivação intestinal e 31 procedimentos de gestroplastia vertical com banda. Na fase analítica, foi verificada a existência de procedimentos hospitalares não regulados e consultas sem informações referentes a sua origem.
Dos 110 pacientes submetidos a cirurgias bariátricas em 2014, 45 não fizeram consultas reguladas pelo Sisreg (Sistema Nacional de Regulação). Como a Santa Casa repassou à auditoria informações relacionadas apenas a 100 pacientes, foi constatado que em 91 prontuários analisados não foram encontradas cópias dos laudos das avaliações pré-operatórias.
Por fim, a Sesau constatou que não está implantada a regulação do procedimento de cirurgia bariátrica em Campo Grande. Também fica evidente que em 2014 a Santa Casa não garantiu assistência multiprofissional aos usuários que realizaram cirurgias bariátricas.
Outra investigação – Investigação aberta nesta terça-feira (26) e conduzida pela promotora Paula Volpe, da 22ª Promotoria de Justiça daSaúde, apura se houve irregularidades na Central de Regulação de Vagas e na Santa Casa com relação às consultas e se ainda hoje acontece isso.
A promotora solicita que a situação seja comunicada ao Conselho Municipal de Saúde e que em dez dias a Sesau encaminhe ofício respondendo se as vagas para realização de cirurgias bariátricas vêm sendo reguladas pela Central de Regulação, quais hospitais do município são habilitados para executar procedimentos de alta complexidade a obesos e quantas vagas foram reguladas para a realização de cirurgias bariátricas em 2014, 2015 e 2016.
À SES, a promotora Paula Volpe deu prazo de dez dias para que encaminhe informações sobre se as vagas para a realização de cirurgias bariátricas vêm sendo reguladas pela Central de Regulação, quais hospitais de MS são habilitados para executar procedimentos de alta complexidade ao indivíduo com obesidade, quantas vagas foram reguladas para a realização de cirurgia bariátrica em 2014, 2015 e 2016, quantos pacientes do interior solicitaram vagas para essas cirurgias nos últimos três anos e quantos realizaram os procedimentos na Santa Casa,
Já a Santa Casa deve encaminhar à 22ª Promotoria, no prazo de dez dias, relação nominal dos médicos que realizaram cirurgias bariátricas nos anos de 2014, 2015 e 2016, bem como o quantitativo de procedimentos realizados por cada profissional; quais os procedimentos adotados pelo hospital para as cirurgias; quais os critérios adotados para indicar aos pacientes a cirurgia; se está habilitado para exercer procedimentos de alta complexidade a obesos e esclarecimentos das medidas adotadas para sanar irregularidades apontadas na auditoria da Sesau.
O médico – Jaime Yoshinori Oshiro foi demitido da Santa Casa em janeiro deste ano, de acordo com informações da assessoria de imprensa do hospital. Quem hoje é responsável pelas cirurgias bariátricas no local é o médico Francisco Gomes Rodrigues, que teria sido citado por paciente de Dourados como integrante da equipe médica que a operou mediante pagamento.
Na internet consta a informação de que Oshiro atende na Clínica São Lucas, mas a reportagem tentou contato com ele e não conseguiu. O mesmo aconteceu com Francisco Gomes.
Na Santa Casa, cerca de 60 pacientes esperam na fila a tão aguardada cirurgia bariátrica, com demora de até dois anos.
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