Quando você não tem mais influência sobre os sentimentos e as decisões do outro, é melhor se afastar e procurar abrigo
IVAN MARTINS
Manter laços com alguém que deixou de nos amar é como estar preso pela manga do casaco à porta de um carro. Se o carro se mover - em qualquer direção, em qualquer velocidade - quem está preso a ele se machuca. Feio. A única coisa a fazer, rapidamente, é se desvencilhar antes que o carro avance.
Talvez você nunca tenha estado preso a um carro em movimento, mas certamente já se sentiu ligado a alguém que estava de saída ou tinha arrancado e partido. Há coisas em comum entre as duas situações.
Assim como os carros que aceleram, as pessoas que se afastam tornam-se perigosas para quem está preso a elas. Deixam de ser o que eram e viram gente estranha rapidamente. A pessoa que você amava está lá, mas surgem pequenas alterações de personalidade e comportamento que machucam quem está perto para presenciá-las.
Não há maldade nisso, vejam bem.
A pessoa que saiu voltou a ser o que era, sem as mudanças que amar causava nela. Sem as inibições que a sua presença impunha. Ela está livre para ser alguém que não tem a sua influência. Livre para ser ela mesma, talvez. Por isso também você não a reconhece. Não faltam apenas o olhar cúmplice, a mão que buscava a sua, o carinho no falar. Essencialmente, falta você nela.
Quem você amava agia de uma certa forma e não de outras por que estava apaixonado por você. Preocupava-se com a sua opinião e os seus sentimentos. Agora, se move com relativa ou total indiferença, e isso a torna outra pessoa, inteiramente. Parece a anterior, mas só por fora. Por dentro, vai se tornando irreconhecível. Cada gesto, palavra e ação reafirma a diferença e amplia a distância entre vocês.
Quem você amava agia de uma certa forma e não de outras por que estava apaixonado por você. Preocupava-se com a sua opinião e os seus sentimentos. Agora, se move com relativa ou total indiferença, e isso a torna outra pessoa, inteiramente. Parece a anterior, mas só por fora. Por dentro, vai se tornando irreconhecível. Cada gesto, palavra e ação reafirma a diferença e amplia a distância entre vocês.
Evitar que isso aconteça é impossível, mas talvez existam formas de encurtar a miséria que a situação provoca. Um afastamento de 30 dias, por exemplo. Cortar o contato radicalmente, proteger-se e esperar que sentimentos de parte a parte se asssentem. Uma dieta radical de 30 dias sem visitas, telefonemas, mensagens ou mimimi no WhatsApp.
Não é um período tão longo que dê medo. Nem é um tempo tão curto que não mude nada. Ao final dele, se tudo der certo, a vida terá se tornado mais leve, a ansiedade terá se reduzido e a presença dele ou dela dentro de você será menor. Talvez seja possível dormir em paz. Se tudo der errado, você estará de volta ao ponto em que está agora.
Nesse mês de abstinência, por longo e penoso que venha a ser, quem sofre será poupado de ver, ouvir ou saber coisas que tornariam sua vida um inferno. Evitará ser humilhado ou agredido por circunstâncias que poderiam facilmente ter sido evitadas. Bastaria não estar lá. Bastaria não ter visto. Bastaria não saber.
Quando você não tem mais influência sobre os sentimentos e as decisões do outro, mas continua emocionalmente ligado a ele ou ela, é melhor se afastar e procurar abrigo. Ficar traz o risco de ser emocionalmente demolido.
Sair, do contrário, tem vantagens. Uma delas, imensa, é permitir que gente nova se aproxime. Depois de 30 dias de distância do seu ex, você já pode olhar para outras pessoas com alguma esperança. Não está em surto, não está em pânico e não está desesperadamente tentando se enganar. Tampouco está escondendo a sua angústia por trás de uma fachada risonha de sedução. Voltou a ser humano, não um homem-bomba emocional. Ainda está frágil e seus sentimentos precisam ser tratados com cuidado, mas é possível recomeçar, devagarinho.
Sei que para muitos - sobretudo as mulheres - esse período de 30 dias parecerá ridiculamente curto. Outro dia, numa festa, presenciei uma conversa em que duas moças falavam de três anos como o tempo necessário para se recuperar de um casamento naufragado. Quase tive um enfarto: como assim, três anos? A vida é curta, não há tanto tempo a perder.
Estou de brincadeira, claro. Já passei três anos perdido. Em alguns casos, talvez seja inevitável que o luto dure tanto ou mais do que a alegria. Talvez seja uma forma cósmica de justiça. Sei lá.
Mas, ao falar com os meus botões, eles me dizem que vale a pena tentar encurtar esse trajeto doloroso. Eles acreditam que homens e mulheres podem tomar o controle de suas vidas, agir de forma racional, afastar-se conscientemente de relações destituídas de esperança. Meus botões sugerem que as pessoas tentem ao menos se afastar por 30 dias. Depois por mais 30, se for o caso. Até que deixe de ser importante. Até que o outro pare de doer dentro de nós. Ou, posto de um jeito mais triste, até que a gente se acostume a ficar longe, com dor e tudo. Isso cedo ou tarde acontece, vocês sabem. Melhor então que seja logo.
Se a primeira quarentena não der certo, é possível tentar de novo, mais tarde. Eu mesmo parei de fumar muitas vezes até largar de vez. Os amores malogrados parecem ter algo dos vícios. Podem ser vivenciados por um tempo, mas uma hora terão de ser combatidos. É uma questão de sobrevivência.
O essencial, eu acho, é perceber o que nos faz bem e separar daquilo que nos faz mal - como cigarros, carros em movimento e gente que deixou de nos amar.
Nenhum comentário:
Postar um comentário