quinta-feira, 23 de abril de 2015

Após um século de declínio, borracha ganha novo mercado de preservativos naturais


HAROLDO CASTRO (TEXTO E FOTOS), DO ACRE

O látex escorre pela casca da seringueira e é recolhido em uma tigela (Foto: © Haroldo Castro/Época)
Ao relatar, em 1774, na Academia de Ciências em Paris as caraterísticas da borracha, o naturalista francês Charles La Condamine deu fama mundial ao produto. Antes usada apenas por indígenas e ribeirinhos para criar recipientes impermeáveis, a borracha, ao chegar à Europa, abriu caminho para uma cadeia de novas mercadorias, de suspensórios a pneus dos primeiros veículos.
Um século depois da “descoberta”, Manaus, Belém e Porto Velho tornaram-se nos anos 1880 polos exportadores da matéria-prima. Em plena Revolução Industrial, os países europeus possuíam uma demanda que crescia de forma frenética. Como a produção não acompanhava a procura, muitos empresários vieram à Amazônia para melhor conhecer o processo. E, assim como sementes de café haviam sido trazidas ao Brasil, mudas de seringueiras foram levadas à Malásia. A plantação asiática vingou e o ciclo da borracha brasileira entrou em declínio. Os palcos dos majestosos teatros de Manaus e Belém, que antes ferviam com estrelas de Paris e de Londres, entraram em um longo período de esquecimento a partir dos anos 1910. 

Nilson Teixeira Mendes analisa a árvore e seus cortes anteriores para decidir se fará extração do látex ou não (Foto: © Haroldo Castro/Época)
Mas onde existem seringueiras, sempre haverá extrativistas. Chico Mendes – seringueiro desde os 9 de idade, líder sindical aos 21 e assassinado em 1988 aos 44 anos – conseguiu mostrar ao mundo, principalmente depois de sua morte, a relação entre as seringueiras, a proteção da Amazônia e os direitos humanos. Uma fala sua ficou célebre: “No começo pensei que estivesse lutando para salvar seringueiras, depois pensei que estava lutando para salvar a floresta Amazônica. Agora, percebo que estou lutando pela humanidade.”
De todas as espécies de árvores que produzem algum látex, a seringueira-preta, a Hevea brasiliensis, é a que fornece o de melhor qualidade e em maior quantidade. Como a árvore precisa estar saudável para fornecer seu rico leite, conservacionistas e ativistas reconheceram na seringueira um símbolo da preservação da floresta e de um recurso econômico sustentável para as populações amazônicas, afastando o mito que conservação não combina com desenvolvimento.

A faca de seringa deve cortar a casca de maneira correta, sem prejudicar a  árvore (Foto: © Haroldo Castro/Época)
Hoje, a seringueira continua a ser sangrada seguindo os métodos tradicionais. Com a faca de seringa, o extrativista corta a primeira camada da casca da árvore no momento mais frio do dia, antes do amanhecer, pois o sol e o calor aceleram a coagulação do leite. O látex escorre pelas estrias e, de gota em gota, preenche a tigela colocada como recipiente.
No final do dia, o trabalhador, que pode ter visitado uma “estrada” de 100 a 120 árvores, recolhe, em balde ou em bombona, os 10 a 20 litros de leite. Na sua casa, ele coa o líquido para que impurezas não estraguem o látex.
A maneira mais simples (e menos rentável) de negociar a borracha é vendê-la coagulada, endurecida naturalmente ou com ajuda de um coagulante. O produto é comercializado em forma de tijolos ou em um conglomerado das calotas coaguladas ainda na tigela.

. Manoel José da Silva, presidente da Cooperacre, mostra um tijolo de borracha coagulada, chamado de cernambi virgem prensado. Atrás, vários conglomerados de calotas coaguladas ainda na tigela (Foto: © Haroldo Castro/Época)
A borracha natural pode ser utilizada na produção de milhares de artigos, como brinquedos, revestimentos e utensílios domésticos. A plasticidade, resistência, impermeabilidade e isolamento térmico permitem que a borracha seja usada na fabricação das mais variadas mercadorias.
Um novo subproduto é o “couro vegetal”, criado quando um tecido de algodão é banhado em uma fina camada de látex. O couro pode ser vendido diretamente às indústrias de confecção, mas também pode ser trabalhado por membros das comunidades extratoras, para que sejam transformadas em mochilas e bolsas artesanais.  
A prática de moldar pequenos animais com o látex tingido deixou de ser um mero passatempo e passou a gerar um dinheirinho a mais para jovens que possuem talento nos dedos.

Bichinhos, como botos-cor-de-rosa, tartarugas e tatus, são modelados com o látex colorido (Foto: © Haroldo Castro/Época)
Em Jamaraquá, Pará, folhas de defumação líquida do látex, depois de tingidas e secas, são vendidas para indústrias que fabricarão solas de sapato, brinquedos e acessórios (Foto: © Haroldo Castro/Época )
Para o látex usado na indústria farmacêutica e de cosméticos, o processo é diferente. O leite deve receber amônia, um anticoagulante, e ficar em um recipiente fechado para manter o estado líquido e chegar dessa forma nas fábricas.
Este é o caso do produto que é entregue na Natex, fábrica de preservativos masculinos situada em Xapuri, cidade onde Chico Mendes foi morto. A empresa, criada em 2009 pelo Governo do Acre, é a primeira no mundo a fabricar camisinhas com látex natural. Segundo os pesquisadores, a elasticidade é maior e o risco de estourar é mais baixo do que os preservativos feitos com borracha sintética.
Natex não encontra dificuldades para escoar sua produção anual de 100 milhões de preservativos. Em março passado, a empresa renovou o convênio com o Ministério da Saúde, que distribui gratuitamente camisinhas em toda região Norte e parte do Centro-oeste. O projeto é tão exitoso que, em 2016, a produção deve duplicar, chegando a 200 milhões de preservativos. Para a empresa, o sucesso é consequência do  “uso responsável dos recursos naturais da floresta, respeitando o meio ambiente e oferecendo um produto seguro aos clientes.”

A produção dos preservativos de borracha natural é acompanhada com cuidado por supervisora da Natex (Foto: © Haroldo Castro/Época)
Funcionária da Natex testa, em uma máquina, cada um dos preservativos masculinos antes de serem embalados (Foto: © Haroldo Castro/Época)
Para responder ao aumento da demanda, algumas centenas de famílias de seringueiros se somarão às 500 que já trabalham exclusivamente fornecendo a matéria prima à Natex. Um século depois do declínio do ciclo da borracha, começa um novo período promissor, bem mais sustentável, quando produtores não são mais tratados como escravos e sim como parte essencial da cadeia produtiva.

Nenhum comentário:

Postar um comentário