Problemas sistemáticos no programa de financiamento estudantil, depois de uma série de medidas desastradas do MEC, comprometem o futuro de estudantes em todo o País. Está cada vez mais difícil renovar contratos e fazer novas inscrições
Camila Brandalise (camila@istoe.com.br)
Estava ruim e ficou pior. Nos últimos três meses, desde que foram anunciadas mudanças no Programa de Financiamento Estudantil (Fies), alunos do ensino superior e aspirantes a universitários têm enfrentado dificuldades para renovar contratos e requerer o subsídio pela primeira vez. Basicamente, a alegação é que há instabilidade no sistema, o SisFies. Mas, antes disso, a definição de um teto de reajuste de mensalidades (6,4%), a exigência de nota mínima no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) e várias outras circunstâncias estabelecidas já limitavam o acesso ao programa. As trapalhadas culminaram com um discurso da presidente Dilma Rousseff, que deu como desculpa para tanta confusão o fato de ter deixado o Fies na mão de universidades particulares, o que explicaria o aumento drástico e descontrolado de vagas. Mas agora o estrago já está feito e a situação fica cada dia mais dramática, já que o Ministério da Educação (MEC) não presta esclarecimentos sobre as novas regras nem às instituições nem aos alunos. Para exigir uma solução do governo, entidades estudantis e universidades apelam para a Justiça, movendo ações contra a União e o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE). O maior prejudicado pela barbeiragem, claro, tem sido o estudante, que vê se esvair o sonho do diploma.
ESPERA
Fila de alunos na FMU, em São Paulo, para regularizar contratos com o Fies.
Problemas com o sistema do programa impedem que universitários
renovem acordos e façam novas matrículas
Percebendo que, em vez de respostas, surgem apenas mais dúvidas, alunos de diversas instituições têm organizado manifestações em diferentes cidades do País para chamar a atenção para os problemas enfrentados. Em São Paulo, um grupo das Faculdades Metropolitanas Unidas (FMU) bloqueou parte de uma avenida no Centro para protestar por não conseguir ser atendido pela instituição, que alegou problemas no sistema. No segundo ano do curso de Direito da Universidade São Judas Tadeu, também na capital paulista, Carla Natacha Gomes da Silva, 23 anos, alega que protestar é a única opção possível. “Se os problemas não forem solucionados, pretendo juntar outros alunos e fazer manifestações. Meu risco é grande, caso não tenha o financiamento terei que trancar o curso.” Carla diz que não consegue renovar seu contrato, firmado em 2012, por problemas insignificantes. “Há vezes que meu CPF é considerado inválido. Outras, o erro aparece ao preencher o CEP de casa”, diz. Segundo o advogado especializado em financiamento estudantil Saulo Rodrigues, a confusão coloca em jogo o princípio universal do livre acesso à educação. “Por isso, quem se sentir lesado pode acionar o judiciário”, afirma. É o que universitários e instituições já estão fazendo.
PROTESTO
Manifestação de alunos da Furb, de Blumenau (SC). Diretório de estudantes
venceu ação civil pública contra União para que todos os
contratos com o Fies sejam renovados
Na Faculdade Regional de Blumenau (Furb), em Santa Catarina, o diretório central dos estudantes entrou com uma ação civil pública contra a União e o FNDE. Na terça-feira 17, uma juíza da vara federal da cidade deferiu o pedido e deu à União o prazo de dez dias para regularizar todos os contratos, caso contrário a multa será de R$ 10 mil por dia, segundo o presidente da entidade estudantil, John Maicon Albanis, 23 anos. “Entramos em contato com o MEC por vários motivos e o ministério nunca se manifestou. A saída legal foi a única alternativa para resolver o entrave”, diz. Ainda cabe recurso da decisão.
Medidas similares foram tomadas em outras partes do País, como Distrito Federal, Alagoas, Pará e Paraíba. “Nesses últimos dias, o cenário só melhorou porque os prejudicados estão tendo ganho de causa”, afirma Elizabeth Guedes, vice-presidente Associação Nacional das Universidades Particulares (Anup) e diretora executiva da Associação Brasileira para o Desenvolvimento da Educação Superior (Abraes). Além de travas no sistema, outra reclamação dos alunos, segundo Elizabeth, é a exigência da nota de corte de 450 pontos no Enem para novos contratos. “É prejudicado, principalmente, quem vem de camadas sociais menos favorecidas”, diz. “No fundo, é tudo problema de orçamento, não acredito que tenha a ver com preocupação com a qualidade do ensino.”
Por todo Brasil, instituições reclamam também da falta de atenção do MEC. Em comunicado, a Universidade Veiga de Almeida, do Rio de Janeiro, sinaliza que o maior problema é a falta de informações oficiais com relação a todas as mudanças, gerando uma grande preocupação nos estudantes. “Passamos todas as informações obtidas, que são aquelas veiculadas pela imprensa”, afirmou a entidade. A Veiga de Almeida não foi informada oficialmente sobre a quantidade de vagas do programa. Mesmo assim, muitos alunos não conseguem concluir o pedido de novo contrato porque o sistema acusa não haver mais vagas. Além disso, os estudantes de Enfermagem, que possui o conceito 5, o máximo atribuído pelo MEC, deveriam ser automaticamente contemplados pelo Fies, mas também não puderam se inscrever ainda. “Até o dia 19 de março, o FNDE não se pronunciou a respeito, embora já tenhamos enviado uma solicitação específica pedindo orientação”, informa a Veiga de Almeida. Em Brasília, o Centro Universitário Estácio adiantou o lançamento de um programa próprio de financiamento estudantil para suprir a lacuna. “Sempre acompanhei os processos de renovação de contratos e de novos inscritos no Fies bem de perto. Nunca tivemos tantos problemas quanto neste ano”, diz Adriano Luís Fonseca, reitor da entidade.
Elizabeth Guedes, representante de entidades ligadas ao ensino superior, classifica os recentes acontecimentos como desumanos. “Estão jogando os alunos contra as escolas”, diz. Segundo ela, se Dilma conhecesse a burocracia do sistema, ela não teria feito a crítica sobre o programa estar nas mãos das universidades particulares. “Ela não sabe nem como foi feito. As decisões partiram do MEC. É fumaça para esconder erro de planejamento orçamentário.” Especialistas concordam que, por se tratar de dinheiro público, é justo que o governo delimite as regras e decida como vai distribuir a verba. O problema é ter feito de uma hora para outra, sem planejamento, sem conversa com entidades da área e, pior, com pouquíssimos esclarecimentos aos afetados. Para Renato Hyuda de Luna Pedrosa, coordenador do laboratório de estudos em educação superior da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), os investimentos destinados ao Fies de fato aumentaram muito, pulando de R$ 7,57 bilhões em 2013 para R$ 13,75 bilhões em 2014. “Há um custo para o tesouro. Como no primeiro mandato da presidente não houve tanto controle fiscal, agora o governo está repensando esse crédito subsidiado.” Porém, como se vê pelo desespero dos estudantes, essa revisão está sendo feita da pior maneira possível.
Fotos: marcelo D’Sants/frame/Ag. o Globo;Jjaime Batista da Silva/Blog do Jaime
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