sábado, 28 de março de 2015

PREFEITO MUNICIPAL PODE SER RÉU EM AÇÃO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA

NO ARTIGO APRESENTA-SE ARGUMENTAÇÃO NO SENTIDO DE QUE O PREFEITO MUNICIPAL PODE SER RÉU EM AÇÃO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA.

 
PREFEITO MUNICIPAL PODE SER RÉU EM AÇÃO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA


ROGÉRIO TADEU ROMANO
Procurador Regional da República aposentado


Em decisão, datada de 5 de novembro de 2013, DJe de 7 de novembro de 2013,  na AC 556.994/CE,  o Tribunal Regional Federal da 5ª Região, por sua Segunda Turma, por maioria, extinguiu ação civil de improbidade administrativa, por entender que os agentes políticos que respondem por crime de responsabilidade tipificados no Decreto-lei 201/67, como é o caso dos Prefeitos, não se submetem à Lei de Improbidade Administrativa(Lei 8.429/92), sob pena de ocorrência de proscrito bis in idem.
A decisão se ampara nos termos da Reclamação 2.138/DF, que foi julgada pelo Supremo Tribunal Federal.
Haveria, pois, para os que assim entendem uma evidente antinomia entre o Decreto-lei 201/67, que traça os chamados crimes de responsabilidade cometidos por Prefeito e a Lei de Improbidade Administrativa, Lei 8.429/92.
A decisão trazida à discussão está  em divergência a entendimento do Superior Tribunal de Justiça, do que se vê do julgamento no AgRg no AREsp 149487/MS, Relator Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, DJe de 29 de junho de 2012, quando se diz que a Lei de Improbidade Administrativa aplica-se a prefeito, máxime porque a Lei de Crimes de Responsabilidade(Lei 1.070/50) somente abrange as autoridades elencadas em seu artigo 2º, quais sejam: O Presidente da República, os Ministros de Estado, os Ministros do Supremo Tribunal Federal e o Procurador-Geral da República.
A decisão citada tem base em outra emanada do Supremo Tribunal Federal, na Reclamação 2.790/SC, Relator Ministro Albino Zavascki, Dje de 4 de março de 2010, onde se concluiu que excetuada a hipótese de atos de improbidade praticados pelo Presidente da República(artigo 85, V), cujo julgamento se dá em regime especial pelo Senado Federal(artigo 86), não há norma constitucional alguma que imunize os agentes políticos, sujeitos a crime de responsabilidade, de qualquer das sanções por ato de improbidade previstas no artigo 37, § 4º, da Constituição Federal e sujeitos às hipóteses traçadas na Lei 8.429/92.
Alerto ainda que a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça após alteração do entendimento jurisprudencial até então prevalente no âmbito daquela Corte Superior, vem entendendo, de forma pacífica, que a prerrogativa de foro também deve ser aplicada às ações civis públicas por ato de improbidade administrativa, quando houver a possibilidade de a autoridade investigada perder o cargo ou o mandato, como se lê, dentre outros julgamentos da Reclamação 4.927/DF, Relator Ministro Felix Fischer, Corte Especial, DJe de 29 de junho de 2011. No entanto, lembro que o Supremo Tribunal Federal, fora da linha traçada na Pet 3211 QO/DF(envolvendo membro do próprio STF), tem entendido que inexiste foro por prerrogativa de função nas ações de improbidade administrativa, como se lê na AI 556.727 AgR/SP, Relator Ministro Dias Toffoli, DJe de 26 de abril de 2012; ARE 700.359/SP, Relator Ministro Ricardo Lewandowski, DJe 10 de agosto de 2012, dentre outros, em diapasão outro àquele já visto no Superior Tribunal de Justiça, onde tem prevalecido a posição de que há foro por prerrogativa de função nas ações de improbidade administrativa: AgRg no AREsp 184.147/RN, Relator Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, DJe de 20 de agosto de 2012; AgRg na MC 18.692/RN, Relator Ministro Napoleão Nunes Maia, Primeira Turma, DJe de 20 de março de 2012.
Ademais  acentuou a Ministra Eliana Calmon, no julgamento do Recurso Especial 1.106.159, DJe de 24 de junho de 2010, Segunda Turma, que não há antinomia entre o Decreto-lei 201/67 e a Lei 8.429/92. O primeiro impõe ao prefeito e vereadores um julgamento político, enquanto a segunda submete-os ao julgamento pela via judicial, pela prática do mesmo fato.
Nesse julgamento político, onde pode vir o chamado impeachment, temos uma conotação mista, de cunho político-penal. Tal sistema é distinto do modelo norte-americano, das orientações de Cooley, Story, Black. No sistema que adotamos, que é o do impeachment europeu, são impostas penas administrativas, civis e criminais, na linha de Duguit, Esmein, como bem reportado por Paulino Ignácio Jacques.[1] No Brasil, é sabido que Paulo Brossard[2] entende que o instituto tem feições políticas.

A leitura atenta dos artigos 1º, 2º e 3º da Lei 8.429/92 leva-nos a entender a abrangência no tocante à qualificação de agentes públicos submetidos a referida norma, donde se conclui que nela estão todos os agentes públicos, servidores ou não, que incorram em atos de improbidade administrativa.
Para isso é interessante voltar-nos ao artigo 12 da Lei 8.429/92, onde se diz que a responsabilidade pela improbidade administrativa não se confunde com a responsabilidade pela prática do ilícito penal. Isso porque a natureza dessa ação é predominantemente civil, tendo como caráter relevante o ressarcimento do dano contra o erário, que é imprescritível(artigo 37, § 5º, da Constituição Federal). A isso se some a multa civil que, como explicou o Ministro Mauro Campbell Marques, no Recurso Especial 622.234, vai sancionar o agente ímprobo, uma verdadeira apenação  pelo dano moral trazido à Administração, aplicada dentro da devida proporcionalidade. 
Por certo, dir-se-ia que ao julgar a Reclamação 2.138, o Supremo Tribunal Federal entendeu ser exclusivamente competente para processar e julgar Ministro de Estado, em razão do foro de prerrogativa de função. Aliás, segundo esse precedente, apenas as autoridades com foro por prerrogativa de função para o processo e julgamento por crime de responsabilidade, previstos na Constituição Federal é que não estão sujeitas a julgamento também pela justiça civil comum por prática de improbidade administrativa.
Mas o entendimento trazido à colação deve ser feito em consonância ao disposto no artigo 52 da Constituição Federal, em nítida interpretação sistemática, no sentido de que não foi para todos os agentes políticos que a Constituição Federal previu foro especial, por prerrogativa de função, para julgamento de crime de responsabilidade. Repito que tal se dá apenas com relação ao Presidente da República, ao Vice-Presidente da República, nos crimes de responsabilidade, bem como os Ministros de Estado, os Ministros do Supremo Tribunal Federal e ainda o Procurador-Geral da República.
A ilação que se deve ter, segundo os julgamentos das Cortes Superiores, é de que o julgamento das autoridades que não detém o foro constitucional por prerrogativa de função para julgamento de crimes de responsabilidade, por atos de improbidade administrativa, continuará a ser feito pelo juízo monocrático, da Justiça Civil comum de primeira instância.
Tais considerações melhor se ajustam ao principio republicano, um principio democrático qualificado, a exigir tratamento isonômico de todos perante a lei.
E ainda em nome deste princípio republicano que realço decisão do Superior Tribunal de Justiça, no AgRg no REsp 1.331.229/SE, Relator Ministro Mauro Campbell Marques, DJe de 5 de dezembro de 2012, que não admitiu foro por prerrogativa de função em tais casos de ação de ajuizamento de ação de improbidade administrativa. 
O Superior Tribunal de Justiça, por sua jurisprudência predominante, admite a ação de improbidade nos ilícitos perpetrados por prefeitos, mercê de agentes políticos, do que se lê, dentre outros, no julgamento dos EDcl no Recurso Especial 456.649/MG, Relator para o acórdão o Ministro Luis Fux, Primeira Turma, DJ de 20 de novembro de 2006.
Assim estão os prefeitos, agentes políticos, sujeitos a ação de improbidade pelos atos cometidos em detrimento do erário, das leis e dos princípios administrativos.
Agente político,  ensinou Celso Antônio Bandeira de Mello[3], é o titular de cargo estrutural à organização política do país, isto é, o ocupante de cargo que compõe o arcabouço constitucional do Estado e, portanto, o esquema fundamental do poder.
Estamos hoje distanciados do entendimento externado por Aristides Junqueira Alvarenga[4] no sentido de que os agentes políticos não estão sujeitos ao regime jurídico estatuído pela Lei 8.429/92.
Bem asseverou Sérgio Monteiro Medeiros[5] que não aceitar que os agentes políticos estejam sujeitos à lei de improbidade, será estabelecer um sistema de castas na Administração Pública, onde uns poderão ser responsabilizados enquanto outros, por maiores que sejam os prejuízos causados ao erário, ficarão indenes. Tudo isso a macular o princípio constitucional da igualdade.
Cito, aqui, pela sua importância jurídica, o voto do Ministro Carlos Velloso, no julgamento daquela reclamação 2.138 - DF, disse ele:

¨Isentar os agentes políticos da ação de improbidade administrativa seria um desastre para a administração pública. Infelizmente, o Brasil é um país onde há corrupção, apropriação de dinheiros públicos pelos administradores ímprobos. E isso vem de longe. No excelente livro de Patrick Wilcken - ¨Império à Deriva – A Corte Portuguesa no Rio de Janeiro, 1808 – 1821¨, Objetiva, tradução de Vera Ribeiro, pág. 121 – está consignado:

¨A corrupção sempre fora uma característica da vida ao redor do Império, mas assumiu uma forma concentrada no Rio.(...) Enquanto a vida era uma luta para muitos dos cortesões mais periféricos, os ministros do governo logo passaram a ter um padrão de vida muito acima dos recursos que poderiam ter ganho legitimamente. (...) Por trás das bengalas, mantos e perucas, e por trás das cerimônias formais e dos éditos proferidos em linguagem refinada, o roubo em nome da Coroa disseminou-se à larga. ¨

Ora, nos dias de hoje, no ranking internacional dos países com mais corrupção, o Brasil é um dos mais destacados. O prejuízo causado à economia nacional pela corrupção, em todos os níveis, é um sério obstáculo ao desenvolvimento do País. Desenvolveu-se a cultura nefasta da corrupção, de modo a se dar ao político, agente político, a séria pecha de agente pernicioso à sociedade.

É estarrecedor que nada menos de 70% dos prefeitos do Rio de Janeiro eleitos em 2012 são investigados por improbidade administrativa, certamente uma realidade que mina a representação política. Há uma inversão de valores com interesses particulares se sobrepondo aos da sociedade.

Nesse quadro, lembre-se, o que está em jogo é o dinheiro do cidadão.

É de todo necessário para enfrentar a corrupção na Administração Pública no Brasil o instrumento da ação civil de improbidade.
Abolir a ação civil de improbidade com relação aos agentes políticos, como o caso dos prefeitos municipais, é um grande estímulo, data vênia, à corrupção. Daí o sério e grave dano à ordem administrativa pátria.
Estão assim os prefeitos municipais sujeitos ao raio da lei de improbidade administrativa.
Penso ser essa a posição que deve ser a predominante e respeitada, à luz da segurança jurídica dos julgados, em respeito ao papel do Superior Tribunal de Justiça como principal guardião da lei federal.  
 
[1] JACQUES, Paulino Ignácio, Curso de Direito Constitucional, Rio de Janeiro, Forense, 7ª edição, pág. 254.
[2] BROSSARD, Paulo  de Souza Pinto, O impeachment, pág. 71 e seguintes.
[3] BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Apontamentos sobre os agentes e órgãos públicos, São Paulo, RT, 1975, pág. 7.
[4] ALVARENGA. Aristides Junqueira. Ato de improbidade administrativa: crime de responsabilidade, Correio Brasiliense, 30 de setembro 2002.
[5] MEDEIROS, Sérgio Monteiro. Lei de Improbidade administrativa, São Paulo, ed. Juarez de Oliveira, 2003, pág. 37.


Leia mais: http://jus.com.br/artigos/37603/prefeito-municipal-pode-ser-reu-em-acao-de-improbidade-administrativa#ixzz3VhwGSy9E

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