terça-feira, 24 de março de 2015

Ainda me espanto


Duvido que os corruptos, nessa luta incansável e suja por dinheiro, saibam o que é a alegria de viver



Confesso: fico assustado cada vez que leio qualquer reportagem sobre o petrolão ou outros escândalos de corrupção no país. Posso ser ingênuo, ter nascido pobre e continuar pensando como um. Mas não consigo imaginar o que é R$ 1 bilhão. Quando leio sobre o desvio de tantos e tantos bilhões de reais de uma única empresa, tento mensurar a quantia. Se empilhasse o bilhão de reais em cédulas de 100, chegaria até a Lua? Talvez.

Joguei e torci, no final do ano passado, para ganhar sozinho na Mega-Sena. Eram, creio, R$ 55 milhões. Imaginei o que faria com o dinheirão. Poderia comprar um apartamento em Nova York ou Paris, viajar muito. Comprar muitas e muitas quitinetes e escritórios para alugar e me tranquilizar o resto da vida. Parar de trabalhar para sempre. Adoro criar histórias e escrevê-las. Quem ama seu trabalho tem uma vida apaixonante. Quando eu era jornalista, também era apaixonado pelo que fazia. Mas casa própria? Só realizei meu sonho de ter um teto lá pelos 40 anos, com a primeira peça de sucesso que escrevi. Uma cama entre nós, com a atriz Matilde Mastrangi, viajou cinco anos pelo país. Fiz uma boa casa na Granja Vianna, em Cotia, São Paulo, avaliada hoje entre R$ 1 milhão e R$ 1,5  milhão, no máximo. Talvez bem menos. Foi o resultado de cinco anos de sucesso de uma peça de teatro, algo raro no país. De repente descubro que um funcionário de terceiro escalão da Petrobras tinha US$ 100 milhões na conta bancária. Para a peça, foi necessária uma equipe, envolvendo produção, atores, técnicos, direção e texto. Para o sujeito bastaram algumas assinaturas. Catou praticamente o quádruplo da sonhada Mega-Sena. Depois leio que, para entrar na construção da usina de Belo Monte, acusa-se uma empresa de ter dado R$ 63 milhões em propinas. Só para entrar? Então o que ela – todos – pretende lucrar com a negociata?

Eu não sei quanto ganham os autores de novela, meus colegas. Duvido que ao longo de uma vida de trabalho bem remunerado, mas árduo, que exige enormes sacrifícios na vida pessoal, algum tenha acumulado fortunas. Mas basta uma corrupçãozinha e o sujeito fica milionário? Basta colher algumas assinaturas e está feito. Certa época eu morava num prédio no Leblon, no Rio de Janeiro, em frente ao mar. Dois apartamentos tinham pertencido a Georgina Freitas, a famosa fraudadora do INSS. Há um ano, foram vendidos em leilão por cerca de R$ 5 milhões cada um. Perguntei a um amigo, antigo morador, por que ela tinha dois.

– Ela usava um dos apartamentos só para dar festas –  respondeu.

Não podia dar festas na casa dela? Quando a gente anda à noite, na orla do Leblon e Ipanema, onde estão os apartamentos mais caros do país, espanta-se com o número de andares apagados. Alguém me explicou que a maioria pertence a políticos que mal os usam. Compraram para lavar dinheiro. Não posso dar certeza dessa informação, mas parece tão provável!

Um bom empresário com R$ 100 milhões na mão constrói uma empresa capaz de empregar milhares de pessoas. Mas esse dinheiro nos foi tirado, de R$ 100 em R$ 100, travando o progresso do país. Eu tenho ações da Petrobras, poucas. Milhares de trabalhadores, certa época, botaram o Fundo de Garantia nessas ações, atraídos pela promessa de lucros. Seu dinheiro virou pó. É justo?

Mas sabem o que mais me espanta? A falta de sonhos desses corruptos, a falta de desejo de deixar algo para a humanidade. Há políticos, continuamente acusados e investigados, corruptos desde sempre. Dinheiro, já têm até para a quarta geração. Para que tanto, se o dinheiro se transforma em algo simbólico, num número de conta num banco no exterior? Não sonham em deixar sua marca no mundo? Sei lá, construir museus, fundações culturais importantes, ajudar escolas? Depois de certa quantidade de grana, a vida muda tanto assim? Não, ainda mais se tem de ser escondida. Mesmo após doenças sérias, tratamentos, o corpo retalhado por operações, continuam a roubar. Olhar de frente para a morte não os transforma. A corrupção torna-se um vício. Gente que um dia teve sonhos, esquece a ideia de um mundo melhor. Eu me espanto. Quando, depois de vencer problemas financeiros, meu pai comprou uma casinha geminada de dois quartos numa vila, nós nos sentimos tão felizes! Tinha 17 anos e dividia o quarto com meu irmão. Penso como pobre, classe média, porque conheço a alegria de uma conquista. Duvido que os corruptos, nessa luta incansável, desonesta e suja por dinheiro, saibam o que é alegria de viver.

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