quinta-feira, 11 de junho de 2015

Escrever para saber ler



Mara Mansani, de São Paulo, ganhou o prêmio de Educador Nota 10 em 2014 com um projeto de alfabetização

Escrever para saber ler
Manuela Novais



Letícia Larieira
“Eram 10 cachorrinhos passeando pelo bosque, um deles ficou pobre e dos 10 ficaram 9. 1 ficou 0. Quais são os elementos que vocês identificam nesse trecho?”, perguntou a professora Mara Mansani aos seus alunos do 1º ano da Escola Estadual Laila Galep Sacker, em Sorocaba, a 50 km de São Paulo. Rapidamente, as crianças levantaram algumas hipóteses: há rimas, repetições, conta uma história, tem números e parece uma música de roda. Diante da empolgação com o texto e também da dificuldade que alguns estudantes demonstravam de aprender a ler e escrever, Mara decidiu usá-lo mais vezes em sala de aula.
Dessa ideia surgiu o projeto “Escrevendo com lengalenga”, que deu à professora o prêmio de Educadora Nota 10 da Fundação Victor Civita, em 2014. Mara foi selecionada por Beatriz Gouveia, coordenadora de projetos no Instituto Avisa Lá e docente da Pós-graduação do Instituto Vera Cruz, responsável pela seleção dos projetos de alfabetização vencedores desde 2006.
A elaboração do projeto começou no início do ano letivo de 2013, quando Mara decidiu buscar novos materiais e didáticas para incorporar em suas aulas. Após pesquisar alternativas, a educadora resolveu se inspirar nas lengalengas – cantigas da época medieval associadas ao universo infantil e a brincadeiras antigas e jogos.

Identificando as dificuldades
Durante o trabalho em sala de aula, Mara encontrou problemas com os quais todos os professores de alfabetização mais cedo ou mais tarde se deparam: dificuldades e diferentes níveis de aprendizagem na mesma turma. Diante desse cenário, a professora se incomodava pela maneira com que as crianças sempre eram alfabetizadas: principalmente por meio da memorização.
Beatriz Gouveia ressalta que isso acontece porque a linguagem ainda está descolada da sua função comunicativa nos projetos de alfabetização. Para a pedagoga, “no primeiro ano, as crianças são dadas a realizar atividades de escrita, mas com lições e atividades mais focadas no propósito didático, como se a língua não tivesse uma função comunicativa”. Na opinião dela, trabalhar com textos de sentido mais significativo é importante para a alfabetização.
É preciso escrever
Após apresentar, em sala de aula, textos de lengalenga de autores como a escritora infanto-juvenil Tatiana Belinky, Mara viu que nessas histórias havia qualidades que poderiam ajudar na alfabetização. De acordo com a professora, “as lengalengas são longas e mais complexas na estrutura textual do que uma parlenda, por exemplo; têm repetições e rimas, que são elementos ótimos para alfabetizar”.
Entretanto, Mara foi além: não apenas leu os textos com as crianças, mas as encorajou a escrevê-los também. “Ninguém escreve nada do nada; você tem que incentivar, tem que apresentar o modelo. A partir do momento que você canta, lê e brinca, aí sim você pode propor a escrita”, explica a educadora. De acordo com a selecionadora Beatriz, “a proposta conseguiu alcançar duas características: didática e comunicação; enquanto as crianças vão avançando na compreensão do tema, elas também conseguem evoluir na construção do texto”.
O processo
Para implantar o projeto, Mara dividiu a turma em grupos de 4 ou 5 alunos e, com base nos textos de lengalenga que já conheciam, cada um deveria criar a própria história. Para isso, a professora estabeleceu uma rotina semanal. “Eu começo minhas aulas todos os dias com uma leitura e uma vez por semana nós vamos à biblioteca, onde os alunos escolhem o que querem ler; ainda faço um dia na semana com uma roda para debate das leituras”, conta.
Depois de prontas as lengalengas, Mara envolveu os alunos em um projeto: transformar as histórias em um livro escrito e ilustrado por eles. Os estudantes puderam escolher como seria a diagramação e a capa e, assim, desenharam as figuras e escreveram a dedicatória.
Depois de impressos na própria escola, a professora fez uma manhã de autógrafos, para a qual os familiares foram convidados. Para Mara, envolver os pais e chamá-los a acompanhar a vida escolar dos filhos foi importante. “Essa interação ajuda muito; a confiança que o responsável tem com o desempenho escolar do filho melhora o relacionamento dos pais com a escola em geral”, ela diz.
Um projeto nota 10
Para Beatriz Gouveia, a alfabetização por meio de projetos com a turma toda pode ser importante tanto para os estudantes como para as relações familiares com a instituição. “O envolvimento família-escola-aluno é uma característica dos projetos didáticos; é um dos tipos de trabalho mais interessantes do ponto de vista das aprendizagens individuais e coletivas”, afirma. Ela acrescenta ainda que o projeto de Mara se destaca ao ressaltar a função comunicativa da língua, trazendo-a para dentro da sala de aula. “É muito interessante, porque é uma proposta comunicativa, social e que reverbera o coletivo; os alunos vão acionando esse contexto que eles vivem por meio de rimas coerentes”, explica a pedagoga.
Futuramente, Mara pretende continuar trabalhando as lengalengas com os alunos e expandir o projeto para que outras unidades de ensino e professores, até de outros anos, possam incorporá-las às práticas. Sobre o sucesso e eficácia do projeto, a educadora acredita que o segredo é “identificar as dificuldades, pesquisar o que você pode fazer pra sanar aquilo e inovar”, relata.
Aprender mais para poder ensinar melhor
Mara diz que nunca sonhou em ser professora e entrou para a carreira obrigada. “Na verdade, minha mãe me ‘forçou’ a fazer o magistério, mas naquele momento ela sabia mais da minha pessoa do que eu mesma”, lembra. A mãe estava certa: quando começou a estudar, a futura professora logo se apaixonou pela profissão e descobriu o prazer em ensinar e aprender com os alunos.

Após cursar o magistério em nível médio, Mara fez o normal superior pelo Centro Universitário Hermínio Ometto, conhecido também como Uniararas. Apaixonada pelo que faz, a professora busca sempre se atualizar e acredita em uma formação contínua. “Não fiz especialização ainda, mas faço todos os cursos propostos pela Secretaria Estadual de Educação (de São Paulo), em todas as áreas, não só da alfabetização. Faço também cursos por conta própria e também estudo bastante”, ela diz.
Para ela, a Educação precisa ultrapassar as barreiras da escola e produzir conhecimento para que as pessoas vivam melhor. “Os alunos mudam, o mundo muda, as necessidades ao longo dos tempos são outras e nós educadores temos que acompanhar e nos preparar para essas mudanças”, afirma.

Nenhum comentário:

Postar um comentário