sexta-feira, 5 de junho de 2015

Desafios e objetivos da saúde pública no Brasil


Próximo da excelência em algumas áreas, setor ainda encontra dificuldades em outros; especialistas ouvidos por Brasileiros indicam avanços e problemas do País
Rumo certo
Foto: Rogélio Casaso/ PICICA/ 2006
Foto: Rogélio Casaso/ PICICA/ 2006

Antônio Lancetti
Psicanalista
“A saúde pública brasileira já é um exemplo para o mundo com o SUS, que é um programa bem-sucedido, apesar de tudo o que se fala, e na medida em que ele avança, surgem novos programas de saúde inteligentes. O Brasil reduziu a mortalidade infantil, a mortalidade materna, e a área psíquica, onde trabalho, é também é um bom exemplo. Acredito que precisamos melhorar o volume de orçamento destinado ao setor, o preconceito em relação à saúde das mulheres e à AIDS, sobre a forma como as drogas agem e como a legislação não contribui para isso. Enfim, fazer outros programas diferentes ainda é um desafio. Especificamente na minha área, a psiquiátrica, mental, tivemos avanços em muitas áreas: a substituição do parque de manicômios que tínhamos foi substituída quase totalmente por locais com serviços de hospitalidade, emergência, e que não prendem as pessoas com problemas por vários anos. Um outro desafio também é a falta de vagas em universidades de medicina, que não se preocupam em formar novos profissionais e ainda reclamam quando o governo resolve buscá-los em outros países, como o programa Mais Médicos. A USP não abre novas vagas para os cursos de medicina desde 1958 e forma cerca de 180 doutores por ano, número pequeno se comparado ao tamanho do País. E as universidades não se preocupam, mas deveriam se preocupar. Há um aumento significativo dos direitos humanos, uma diminuição da indigência e da pobreza, mas ainda precisamos fazer mais. Os desafios também são consequências dos avanços que tivemos nas últimas décadas. Para os próximos anos, temos que qualificar, ampliar, continuar diminuindo ainda mais a pobreza, a miséria, que influem diretamente no setor de saúde, melhorar ainda mais os índices de mortalidade materna, infantil, focar também na saúde dos adolescentes, já que o País conseguiu diminuir a taxa de filhos por mulher, mas não teve sucesso com a gravidez na adolescência. Em suma, seguir os caminhos que já estão traçados”.
Caos do sistema de saúde pública
José Maria Arruda aponta crise na saúde brasileira. Foto: Sindicato dos Médicos do Ceará
José Maria Arruda aponta crise na saúde brasileira. Foto: Sindicato dos Médicos do Ceará

José Maria Arruda Pontes

Presidente do Sindicato dos Médicos do Ceará
“Nós estamos vivendo uma crise como nunca vivemos, e um dos principais motivos está nos pequenos orçamentos que temos. A União transferiu, na constituição de 1988, a responsabilidade deste setor para os municípios, mas não repassa o dinheiro necessário para que exista o mínimo de qualidade na área. Toda vez que surge um projeto de aumentar a participação da União na saúde no legislativo, o Executivo não sanciona. Tem um tramitando atualmente no Congresso – feito por iniciativa popular – que pede destinação de 10% da receita bruta do País para a saúde, mas a presidente Dilma Rousseff já disse que, se chegar nela, vai vetá-lo. É muito difícil fazer saúde sem dinheiro e os Estados e municípios já disseram que não podem cuidar do setor sozinhos. O Brasil, hoje, em PIB per capita, gasta menos com saúde que países com Argentina, Chile, Uruguai, alguns africanos, por exemplo. É um problema sério. Repito: sem dinheiro não se faz saúde. Eu tenho viajado pelo nordeste, especificamente, e visto o caos que estamos vivendo. Não tem leitos de enfermaria, de UTI, filas de anos para cirurgias, exames. Está muito difícil. Eu acredito que o próximo presidente precisa ter uma abertura muito grande para conversar com entidades, conselhos e grupos da área de saúde – e não apenas médicos – para ouvi-los, porque quem cuida da saúde do País hoje são burocratas que nunca fizeram um plantão na vida. Melhorar o repasse de verbas é o grande objetivo que precisamos colocar nos próximos anos, mas ainda adequar os médicos em carreiras, dar a eles melhores condições para trabalhar no interior do Brasil, para que façam uma saúde regular, não digo nem excelente, e deixar os médicos mais seguros para trabalharem”.
Ampliação do atendimento e enfrentamento aos convênios médicos
Foto: INAIRA
Foto: INAIRA

Ubiratan de Paula Santos
Pneumologista do Incor e membro do Conselho da Escola de Sociologia de São Paulo
“Os principais desafios são ampliar a atenção à saúde para toda a população, melhorar a qualidade da atenção à saúde, com equipes multiprofissionais mais qualificadas e mais diversificadas nas especialidades; enfrentar os planos de saúde, que limitam direitos ao atendimento, oneram o sistema público e contam com isenção tributária, mas tem força política suficiente para manterem este padrão de conduta, enfrentar a judicialização da saúde – ações que obrigam atendimento a procedimentos de alto custo, fora de critérios prioritários para sistemas públicos de saúde, ampliar do ensino e capacitação à distância e instituir o serviço de saúde civil obrigatório para todos os profissionais de saúde, em particular para categorias com carência em centros periféricos como médicos; como está sendo iniciada, mas ainda limitado, com a residência médica em serviço publico”.
Carência de atendimento
Lázaro Rivera
Médico cubano em Coronel Fabriciano, Minas Gerais
“O que mais me chamou a atenção no Brasil é como as pessoas – nos locais mais afastados dos grandes centros – são necessitadas de atenção médica. E são pessoas de muito baixo recurso e que nunca tiveram acesso a serviços médicos de qualidade, por isso ficam até emocionadas quando se veem próximos de um profissional de medicina. Por isso, é possível dizer que estamos aqui mais por uma questão humanitária do que pelo dinheiro. Não é o dinheiro que deve nos mover a ficar no Brasil. Então, eu acredito que a saúde brasileira precisa ser, neste momento de melhoras, concedida para a população mais pobre, que realmente tem acesso restrito a qualquer tipo de atendimento”.
Em agosto, a edição impressa de Brasileiros trará várias opiniões sobre alguns setores da vida brasileira e os seus principais indicadores sociais, entre eles o sistema educacional. O material faz parte da reportagem intitulada “O que queremos do Brasil”.

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