Segundo a Polícia Federal, André Zahran teria recebido propinas do empreiteiro e tentado interferir em reportagens do telejornal
Um dos sócios da TV Morena, afiliada da Rede Globo, André Luiz Calarge Zahran, foi flagrado em interceptações telefônicas realizadas pela PF (Polícia Federal) negociando com o empreiteiro João Krampe Amorim, pivô da Operação Lama Asfáltica, e com Elza Cristina Araújo dos Santos, apontada como administradora do esquema de fraudes em licitações.
De acordo com a PF, o trio negocia diversos encontros, sendo que, no dia 15 de maio de 2014, André Zahran cobra Amorim sobre o dia 15, possivelmente data de pagamento de propinas. Em retorno, o empreiteiro cobra a interferência em uma série de reportagens exibidas pelo telejornal local.
André: Alô?
João: Doutor André. O senhor vai bem?
André: Tudo bem com o senhor?
João: Tudo bem. Agora ouvindo a sua voz melhor ainda. [Risadas]
André: É dia quinze, liguei só para falar que é dia quinze hoje.
João: É hoje?
André: É, João, é.
João: E você me liga de manhã! Não podia ligar meia-noite?
André: Não, João.
João: Oh, André, deixa eu te pedir um favor.
André: Não começa...
João: Foi TV morena lá no...
André: Aonde?
João: Lá no lixão.
André: Ih, de novo?
João: De novo, dando moral para Thiago Verone, um chantagista que está pedindo R$ 10 milhões para nós para ele parar.
André: Ah, vou falar. Ah, vou falar, eu vou lá agora. Eu vou lá agora.
João: Levou uma promotora junto, plantou uma caixa de papelão de 2012 lá em uma área de preservação. Cara, que incômodo. Você vê isso agora e me retorna?
André: Agora?
João: Não dá moral para um vagabundo desse, André.
André: Não, pelo amor de Deus.
João: Tá bom? Ok, tchau.
André: Tchau.
Conforme investigações do Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado) divulgadas em 2014, Thiago Verrone de Souza seria dono de duas empresas de consultoria ambiental que teria cobrado R$ 5 milhões dos donos da Solurb para parar de iniciar ações judiciais contra a empresa responsável pela coleta de lixo em Campo Grande.
Amorim teria participação na Solurb através da empresa LD Construções, registrada em nome de Luciano Dolzan, genro e possível laranja do empreiteiro. Segundo a PF, Amorim retornou para Zahran no mesmo dia cobrando as providências. Ainda, na mesma tarde, André e sua tia, Márcia Zahran, também teriam se deslocado ao escritório de Amorim, onde foram recebidos por Elza dos Santos, funcionária espécie de 'faz tudo' dentro do esquema de corrupção.
Em 16 de maio de 2014, o dia seguinte à reunião, Amorim volta a conversar com André. No diálogo interceptado pela PF, o empreiteiro reclama de chantagens e afirma que não quer mexer com política, pois se tivesse interesse seria candidato. Também pede que André interceda junto a Márcia e seu marido, para acabar com as reportagens.
Na época, a TV Morena e o site G1, ambos do grupo Zahran, noticiavam denúncias do MPE (Ministério Público Estadual) sobre o prejuízo de R$ 9 milhões na coleta de lixo na Capital durante o primeiro ano de vigência do contrato. Entre as falhas apontadas estava o emplacamento de caminhões de outros estados com mais de trinta anos de uso e aluguéis de veículos.
Em reportagem exibida ontem (27) no telejornal MSTV, 2ª Edição, a afiliada da Rede Globo expõe o caso a público e destaca que, apesar dos diálogos entre o acionista e João Amorim, a emissora nunca impôs censura às reportagens veiculadas no canal. Conforme a nota, alguns veículos noticiosos tentaram manchar a imagem da empresa, que possui uma história no telejornalismo sul-mato-grossense, mas as medidas judiciais cabíveis já foram tomadas. Confira a nota:
"A TV Morena luta, respeita e se orgulha da postura de seus profissionais em respeito à verdade dos fatos e à condução da notícia. Este patrimônio, construído ao longo de 50 anos de história, não pode e não será maculado pela irresponsável postura de veículos com interesses diversos a esses, com o único intuito de macular esta nossa premissa básica de nossa empresa. Premissa esta que emana dos acionistas e que jamais interferiu na linha editorial da emissora.
Face a interpretações intencionalmente mal conduzidas na matéria publicada, a TV Morena vem a público informar que: em momento algum, recebeu qualquer pedido de seus acionistas para barrar ou influenciar na cobertura de reportagens. Tanto que, no dia 15 de maio de 2014, exatamente no dia de uma das escutas telefônicas, a emissora exibiu uma reportagem sobre irregularidades no funcionamento do aterro sanitário de Campo Grande, denunciadas pelo Ministério Público Federal (MPF). Assim como também fez, uma semana depois, no dia 22 de maio, quando exibiu uma extensa reportagem sobre a denúncia feita pelo MPF, com base nas investigações da Polícia Federal. E assim seguiu em vários outros momentos em que acompanhou e ainda acompanha os desdobramentos desse assunto. A nota ainda afirma que a TV Morena se pauta sempre pela verdade dos fatos e, neste momento, já está tomando providências jurídicas contra o site que publicou informações que não retratam a realidade".
O vídeo original você confere aqui.
Investigações
A Operação Lama Asfáltica investiga uma organização criminosa que teria fraudado diversas licitações em obras públicas de Mato Grosso do Sul. Os suspeitos teriam cometido os crimes de sonegação fiscal, formação de quadrilha, falsidade ideológica, lavagem de dinheiro, corrupção ativa, corrupção passiva e fraudes à licitação.
O nome da operação faz referência a um dos insumos utilizados em obras com indícios de serem superfaturadas identificadas durante as investigações. Durante o cumprimento de mandados e apreensão na casa dos envolvidos, a polícia apreendeu documentos, uma obra de arte e mais de R$ 747,9 mil, em moedas nacionais e estrangeiras.
Entre os contratos com indícios de fraude aparecem as licitações para a pavimentação da MS-430, que liga o município de São Gabriel do Oeste a Rio Negro, o aterro sanitário de Campo Grande, o Aquário do Pantanal e as Avenidas Lúdio Coelho Martins e Duque de Caxias.
A ação da PF em conjunto com a Receita Federal, a Controladoria Geral da União e o Ministério Público Federal cumpriu 19 mandados de busca e apreensão, expedidos pela 5ª Vara Federal de Campo Grande, em residências e empresas dos investigados.
De acordo com a Receita Federal, as investigações começaram a dois anos, quando foram detectados indícios de que importante empresário de Mato Grosso do Sul, possivelmente João Amorim, e diversas pessoas ligadas a ele corromperiam servidores públicos, fraudando licitações e desviando recursos públicos.
Dentre as ações do suposto grupo criminoso consta o direcionamento de licitações a empresários ligados à organização, os quais recebiam valores supostamente superfaturados e repassavam parte dos lucros a servidores coniventes envolvidos. Também foram identificadas vultosas doações para campanhas de políticos.
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