Luana Rodrigues
"Que bom que vocês vieram, servem para embelezar nosso evento", é essa expressão que a major do Corpo de de Bombeiros, Carla Rouledo Moretti, 35 anos, utiliza para retratar o preconceito velado existente nas corporações. "Muitas vezes somos recebidas assim, mas eu não sou vaso de flor para embelezar solenidade ou operação", diz.
Carla foi uma das primeiras mulheres a ingressar no Corpo de Bombeiros de Mato Grosso do Sul, ela e uma colega, passaram no 1º concurso para a função no estado, em 1999. De Araçatuba - São Paulo, a major conta que o desejo de ser militar começou aos 17 anos, pois ela tinha muitos familiares na profissão. "Primeiro prestei um concurso para a Polícia Militar, reprovei no teste psicológico, por falta de maturidade. Depois prestei para Oficial Corpo de Bombeiros", contou.
Na academia, em uma turma de 40 pessoas, apenas cinco eram mulheres. "Algumas desistiram logo no início, porque os teste físicos eram muito difíceis", relata. Em 2002, já formada, Carla chegou a Campo Grande, como oficial. "Para a corporação foi uma questão de adaptação. Inicialmente houve até uma resistência, porque eles nunca tiveram um superior do sexo feminino, mas depois, como executávamos as mesmas tarefas que os outros, passaram a respeitar", disse.
Apesar do respeito da maioria, a major conta que ainda existe muito preconceito por parte de colegas e também nas ruas. "Mesmo sendo oficial, muitas vezes fui escalada para servir cafézinho em eventos, só por ser mulher. Nas ruas, muitas vezes tive minha capacidade profissional subestimada pelo mesmo motivo, parece estar embutido na cultura", revela.
A policial militar, Morgana Hadlich, 40, que atua como cabo no 17º BPTran de Campo Grande, conta histórias semelhantes. "Um dia em uma blitz, abordei um condutor embriagado, apliquei uma multa e ele me disse: 'Não vai ter multa com batom, benzinho?', tive que ameaçar prendê-lo por desacato e só não prendi, porque ele entendeu o recado", contou.
Policial há 17 anos, Hadlich diz que uma das principais dificuldades é ter sempre de provar seu valor e capacidade profissional. "Temos sempre que manter uma postura de firmeza e muitas vezes somos tachadas de 'machonas' por sermos assim. Mas não podemos usar nem um shortinho ou sainha, que já pode gerar comentários", afirmou.
Conciliando a carreira de PM e a criação dos três filhos, a cabo diz que apesar das barreira e dificuldades impostas pelo preconceito e desrespeito, nunca teve dúvidas em ser policial. "A gente nunca sabe se vai voltar para casa, vive um risco constante, mas é a profissão que eu escolhi. Sempre quis ser da polícia, admirava o trabalho, achava linda a farda, e para mim sempre foi motivo de orgulho", conta entusiasmada.
As duas militares participam do o Seminário “Relações de Gênero nas Corporações Militares”, realizado desde esta quinta-feira(23), no Auditório do Conselho Regional de Engenharia e Agronomia do Mato Grosso do Sul (CREA-MS), proposto pela promotora de Justiça de Direitos Humanos, Jaceguara Dantas da Silva Passos. "Estabeleci um diálogo com os comandos dessas instituições para trabalhar essa temática e fui prontamente atendida pelos comandantes militares que se colocaram à disposição para colaborar e enviaram ao evento representantes de ambos os sexos para os debates", disse a promotora.
Recentemente, o MPE (Ministério Público Estadual) instaurou dois procedimentos para apurar denúncias de abusos relacionados a gênero contra mulheres na PM(Polícia Militar ) e no Corpo de Bombeiros Militar, após denúncias formuladas na Ouvidoria do Ministério Público do Estado. Em um dos casos, no âmbito militar, ocorreu apenas uma punição leve e o outro acabou sendo arquivado.
Questão de estatística -De acordo com uma pesquisa realizada pelo FBSP (Fórum Brasileiro de Segurança Pública) e pela FGV (Fundação Getúlio Vargas), duas em cada cinco policiais femininas brasileiras são alvo de assédio sexual ou moral no trabalho.
Os pesquisadores ouviram cerca de 13 mil agentes de segurança de ambos os sexos de todo o Brasil, entre policiais militares, policiais civis, guardas-civis e peritos criminais. De acordo com o estudo 39,2% das mulheres dizem já ter sofrido, pessoalmente assédio sexual ou moral no trabalho — três em cada quatro casos são assédios morais, e um em cada quatro é assédio sexual.
A pesquisa mostra ainda que 47,8% das mulheres disseram que em sua instituição não há um mecanismo formal para registro de violência de gênero. Outras 34,7% disseram não saber se há esse mecanismo. Apenas 17,5% afirmaram que a sua corporação possui mecanismo formal de denúncia e apontou qual é o mecanismo.
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