Avião do empresário João Amorim era chamado de 'cheio de charme' e propinas eram tratadas como 'documentos'
As escutas telefônicas interceptadas pela PF (Polícia Federal) durante a Operação Lama Asfáltica são marcadas pelos apelidos e codinomes utilizados pelos envolvidos para camuflar as fraudes em licitações, as trocas de favores e pagamentos de propinas. O relacionamento entre os integrantes do grupo criminoso também era íntimo, marcado por palavrões e brincadeiras de amigos.
Em uma das ligações, realizada em 17 de dezembro de 2014, o ex-secretário-adjunto de fazenda, André Luiz Cance, pede ao empresário João Krampe Amorim que empreste o “cheio de charme”, codinome para a aeronave do empreiteiro que está registrada no nome da Itel Informática Ltda, para “o nosso amigo da Gráfica”, em referência a Mirched Jafar Junior, dono da Gráfica Alvorada.
Na ocasião, João Amorim libera a aeronave, com destino a Brasília, desde que o combustível seja pago pelo parceiro. Na mesma conversa, Cance se despede com “beijo nas nádegas” e marca um encontro entre os três amigos. Em outro trecho, João Amorim fala de outras pessoas possivelmente envolvidas no esquema, que seriam inteligentes, mas os colocariam “numa fria”.
Foto: Arquivo/Top Mídia News
O relatório do MPF (Ministério Público Federal) destaca que o ex-governador André Puccinelli (PMDB) tinha conhecimento da estrutura da organização e do seu modus operandi, contribuindo com as atividades ilícitas a partir do cargo que ocupava, inclusive intermediando pessoalmente a prorrogação de contratos que foram fraudados na origem e na execução. Leia mais aqui.
Em outra chamada, interceptada em 22 de dezembro de 2014, Puccinelli se refere a André Cance como “xará” e combina um encontro para ter uma “boa alvorada”. Segundo a PF, o termo seria um código para recebimento de propinas da Gráfica Alvorada. Durante o telefonema, o ex-governador ainda enfatiza “pra que a gente tenha um bom alvorecer, uma boa alvorada”.
De acordo com as investigações, João Amorim comandava um conglomerado formado pelas empresas Proteco Construções Ltda, Itel Informática Ltda, LD Construções, Kamerof Participações Ltda e o Consórcio Solurb. Outras empresas também participariam do esquema de corrupção e direcionamento de licitações, mas todos os pagamentos passavam por Amorim, Cance e Puccinelli.
Na prefeitura, o relacionamento entre o empresário e os agentes públicos também era próximo. Em ligação entre João Amorim e o ex-prefeito Nelsinho Trad (PMDB), o empreiteiro incentiva a candidatura do peemedebista que destaca estar feliz com o apoio do amigo e o convida para tomar uísque. “Vocês não sabem a felicidades que vocês me dão. Eu tô muito feliz, eu só quero te dizer isso [sic]”, afirma.
As interceptações telefônicas realizadas pela PF ainda apontam outras relações de amizade entre os integrantes do esquema. Entre os termos mais usados está a entrega de “documentos” ou convite para um "café", que pelo contexto pode ser interpretado como pagamento de propinas e resultados de "reuniões", código para acordos ilícitos.
Investigações
A Operação Lama Asfáltica investiga uma organização criminosa que teria fraudado diversas licitações em obras públicas de Mato Grosso do Sul. Os suspeitos teriam cometido os crimes de sonegação fiscal, formação de quadrilha, falsidade ideológica, lavagem de dinheiro, corrupção ativa, corrupção passiva e fraudes à licitação.
O nome da operação faz referência a um dos insumos utilizados em obras com indícios de serem superfaturadas identificadas durante as investigações. Durante o cumprimento de mandados e apreensão na casa dos envolvidos, a polícia apreendeu documentos, uma obra de arte e mais de R$ 747,9 mil, em moedas nacionais e estrangeiras.
Entre os contratos com indícios de fraude aparecem as licitações para a pavimentação da MS-430, que liga o município de São Gabriel do Oeste a Rio Negro, o aterro sanitário de Campo Grande, o Aquário do Pantanal e as Avenidas Lúdio Coelho Martins e Duque de Caxias. Para entender o papel dos suspeitos já divulgados, leia mais aqui.
A ação da PF em conjunto com a Receita Federal, a Controladoria Geral da União e o Ministério Público Federal cumpriu 19 mandados de busca e apreensão, expedidos pela 5ª Vara Federal de Campo Grande, em residências e empresas dos investigados.
Foram vistoriadas as casas do ex-secretário municipal de administração, José Antônio de Marco, do ex-secretário estadual de obras, Edson Giroto, as propriedades do empresário João Amorim e a sede da Seinfra (Secretaria de Estado de Obras e Infraestrutura)/ Agesul (Agencia Estadual de Gestão de Empreendimentos).
De acordo com a Receita Federal, as investigações começaram a dois anos, quando foram detectados indícios de que importante empresário de Mato Grosso do Sul, possivelmente João Amorim, e diversas pessoas ligadas a ele corromperiam servidores públicos, fraudando licitações e desviando recursos públicos.
Dentre as ações do suposto grupo criminoso consta o direcionamento de licitações a empresários ligados à organização, os quais recebiam valores supostamente superfaturados e repassavam parte dos lucros a servidores coniventes envolvidos. Também foram identificadas vultosas doações para campanhas de políticos.
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