terça-feira, 26 de janeiro de 2016

De salvadora à vítima, ela carrega cicatrizes da imprudência no trânsito

Muitos anos trabalhando no Samu, atendendo ocorrências e salvando vidas, Jaqueline sofreu um acidente que mudou o rumo da sua história

“Chega a ser um absurdo, tamanha imprudência. O problema é a questão da impunidade, somos vítimas da impunidade. São oito anos no Samu (Serviço de Atendimento Móvel de Urgência), atendendo várias ocorrências, vendo o tamanho da impunidade, pessoas vítimas de alcoolizados e drogados. Jamais imaginava na minha vida, eu ser a vítima”, desabafou Jaqueline Tsalikis, de 34 anos.

A vida dela mudou completamente, no dia 29 de novembro de 2015, ao sofrer um trágico acidente. A mulher que trabalhava no suporte básico de vida, salvando pessoas diariamente, capacitada como técnica de enfermagem, ciclista, arbitra de atletismo e acadêmica de educação física, no momento, tenta retomar aos poucos a própria rotina.

Tudo começou quando ela saiu da casa da mãe, no Bairro Aero Rancho, depois das 21h40. Ao se deslocar pela Avenida Ernesto Geisel, no sentido bairro-centro, Jaqueline passou pelo sinaleiro do Parque Ayrton Sena e seguia seu trajeto.

Ela se recorda que todo o trecho percorrido estava sem iluminação pública, até próximo à curva, na região do AnhanduizinhoPor conta disso, Jaqueline disse que transitava com sua Twister 250 na pista do meio, com farol ligado e em baixa velocidade (menos de 60km/h), por receio de capivaras surgirem na via.

“De repente, avistei o motociclista na contramão, com o farol apagado na Ernesto Geisel. Ele estava me mirando, tinha enxergado meu farol, queria me acertar. Eu realmente acho que ele estava alucinado, com efeito de bebida e droga. Em alta velocidade, ele veio como se fosse um fantasma, tentei tirar a moto para a direita. Mas mirou em mim, com a intenção de colidir frontalmente. Manteve a direção e colidimos de frente. A energia do impacto deve ter ultrapassado 150 km/h”, contou.

Com a colisão, Jaqueline foi arremessada a mais de 35 metros de distância. “Quando tentei me levantar não conseguia respirar. Olhei minha mão direita e estava pendurada, não havia fraturas expostas, mas desarticulou. Na perna, eu já vi dois ossos para fora, na região do fêmur. Percebi que a minha perna estava igual borracha, não tinha mais jeito”.

Foto: Arquivo Pessoal
  
O capacete já tinha caído, em razão da queda e porque, depois de “voar”, ela também saiu rolando pelo asfalto. Após muito esforço, Jaqueline contou que, com a ajuda da mão esquerda, conseguiu levantar o próprio tórax.

“Comecei acenar e gritar o mais alto que pude, por socorro, não sabia se me enxergariam. Conforme foram parando, eu pedi meu celular que estava caído. Eu mesma liguei para o Samu e comuniquei meu estado, que estava entrando em provável choque”, revelou.

Além disso, Jaqueline reuniu forças para telefonar novamente, e pedir apoio ao irmão, que acompanhou a chegada do Samu e do Corpo de Bombeiros. “Pantaleão Guerreiro, de 45 anos é o nome do imprudente que estava pilotando uma YBR na contramão, alcoolizado e, provavelmente, drogado. Ele só amputou o pé, foi praticamente no local. Agora, eu fiquei bem pior, quase morri”, resumiu.

O irmão se 'desfez' da moto que continha partes do corpo dela presas às ferragens, por trazer trágicas lembranças e Jaqueline começou a refazer a própria história...

Esperança e sentimento
(Foto: Arquivo Pessol)

Após internação e procedimentos cirúrgicos, atualmente, Jaqueline está de licença, fazendo fisioterapia na Apae (Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais). "O SUS (Sistema Único de Saúde) cobre a prótese mecânica ou pneumática, mas não vai devolver 30% da minha locomoção. Primeiro, tenho que me recuperar, preocupar com a reabilitação. Mas penso em conseguir dinheiro para a prótese biônica, que é a prova d´água e tem opção de regular, garantindo mais flexibilidade", diz confiante na vitória.

Apesar das lesões no braço, traumas pelo corpo e amputação de parte da perna, Jaqueline não se abateu, ela vive uma luta diária. “A vida é uma constante metamorfose, risos, lágrimas, vitórias e derrotas. O que realmente importa é a certeza da força de Deus para recomeçar”, disse em sua página na rede social.

O único sentimento de revolta é o fato de a legislação ser branda. “Se tivesse realmente punição, a lei seca funcionaria. A pessoa responde só por homicídio culposo (sem intenção). Como ele não teve intenção de matar? Você não assume o risco de beber e se drogar ao dirigir? Quantas vidas serão perdidas pela imprudência? Já presenciei isso inúmeras vezes no meu serviço e, agora, vivo na pele”, concluiu.


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