Depois de 37 messes de crises e descontinuidade gerencial que castigam Campo Grande com um dos maiores desastres político-administrativos de sua história, fevereiro vai chegar trazendo o fim do recesso forense e a retomada dos julgamentos pendentes. Um deles refere-se à titularidade do cargo de prefeito, ocupada provisoriamente por Alcides Bernal (PP). Eleito em 2012 depois de derrotar seus mais temíveis adversários e cassado 15 meses após a posse, acusado de improbidade administrativa, Bernal hoje sustenta-se no cargo graças à medida liminar que lhe devolveu o cargo depois de ficar afastado por 17 meses, período em que foi substituído pelo vice, Gilmar Olarte.
Com três períodos administrativos diferentes no estilo e nas ações, a Prefeitura não conseguiu andar normalmente. E quem paga por isso é a população. Os cerca de 900 mil campo-grandenses hoje sentem saudades do tempo em que a cidade era considerada uma das mais belas, urbanizadas e organizadas do País. O desalento com a precarização urbana e de serviços essenciais é explícito e quase ninguém contesta, inclusive a imensa parcela dos 270.927 eleitores que um dia escolheram Bernal por considerá-lo o mais indicado para renovar as práticas políticas e gerenciais.
Campo Grande é uma cidade que parece largada à própria sorte. De capital da arborização e das ruas largas e de considerável mobilidade, passou a ser a capital dos buracos, do lixo, da dengue, dos mosquitos. Com ou sem chuvas, a proliferação da buraqueira na malha viária é alimentada pela ausência de ação e planejamento eficientes. A necessidade de acelerar o processo de recuperar as ruas e avenidas perdeu prioridade para os investimentos no vitimismo e na transferência de responsabilidade, discursos dos quais o prefeito tornou-se refém ao lançar a culpa do que não fez nos ombros de seus antecessores.
Pior que os buracos e os prejuízos de milhares de pessoas e empresas que têm seus veículos danificados pelos buracos é a precarização dos serviços essenciais, como os de saúde e de limpeza pública. O aedes aegypti faz sua festa e mata pessoas. Os servidores municipais amargam perdas salariais e atrasos no pagamento. Até merenda escolar sem qualidade ou simplesmente a falta dela estão no breve currículo de atuação do prefeito. Sem trabalhos de restauração viária e sem obras de infraestrutura indispensáveis à dinâmica de seu crescimento, Campo Grande também vê cair drasticamente seus níveis de empregabilidade, que em outras gestões foram muito mais produtivos. O conflito entre Bernal e a Câmara Municipal e a desconfiança publica que o põe distante de parcerias estratégicas para contribuir com a gestão, agravam o quadro de fatores que fazem a cidade morena retroceder.
RECURSOS – Uma complexa “guerra” judicial vem sendo travada desde março de 2014, quando 23 dos 29 vereadores cassaram Bernal por improbidade administrativa, baseando-se em documentos que o responsabilizavam por graves irregularidades no manuseio de verbas orçamentárias. Olarte assumiu em 13 de março de 2014, encontrou uma cidade pior do que foi deixada para o titular e governou até meados de 2015, quando depois de duas tentativas,uma ação popular conseguiu da Justiça a liminar para derrubar o ato da Câmara que cassou Bernal e devolver a ele o cargo, em 25 de agosto daquele ano.
A peça que favoreceu Bernal foi uma ação popular acatada pelo juiz David de Oliveira Gomes Filho, da 2ª Vara de Direitos Difusos, Coletivos e Individuais Homogêneos. Quando esse despacho chegou ao Tribunal de Justiça, foi submetido ao julgamento de três desembargadores. Dois magistrados - Tânia Garcia de Freitas Borges e Sérgio Martins – votaram pela liminar que favoreceu Bernal. Um desembargador, Divoncir Schneider Maran, votou pela validade do ato que cassou o prefeito.
A Câmara entrou com um embargo declaratório, alegando ter constatado mais de uma dezena de falhas e irregularidades processuais nos autos. Previsto no artigo 536 do Código de Processo Civil, o embargo de declaração é o mecanismo reparador pelo qual uma das partes do processo pede ao juiz que reveja aspectos pontuais de sua decisão, alertando sobre possíveis omissões, contradições, obscuridades e outros itens capazes de contaminar o julgamento.
Instalou-se uma polêmica tão descontrolada que a idoneidade e a credibilidade do Judiciário foram postas em xeque e duramente contestadas. Até o prefeito Alcides Bernal lançou pesadas suspeitas contra os magistrados. O desembargador Sérgio Martins, por exemplo, que deu voto decisivo para reconduzir Bernal, teve sua suspeição levantada durante o embate jurídico-judicial. De manobra em manobra e pelos ritos de praxe, a liminar pró-Bernal conseguiu fôlego para chegar ao recesso forense, iniciado em dezembro.
Daqui a duas semanas o TJ-MS reabre e a 2a Câmara Cível, por meio de sua relatora no processo, Tânia Garcia de Freitas Borges, deverá manifestar-se sobre o caso. Vai decidir, em sua instância, se vive ou morre o ato do legislativo que cassou Bernal. Quem sabe sua decisão estabeleça um horizonte de certezas que não deixe dúvidas sobre a excelência jurídica e institucional de uma corte, cujo papel é fundamental numa sociedade que preza a justiça, a ética e a democracia. É o que espera a sofrida população campo-grandense.
Nenhum comentário:
Postar um comentário