Comprado com recursos federais, equipamento poderia ser instalado em hospitais públicos do Estado
Anunciada pelo Ministro da Saúde Marcelo Castro, durante visita a Campo Grande, a instalação de um acelerador linear comprado com recursos do Governo Federal no Hospital do Câncer Alfredo Abraão desrespeita decisão do Conselho Estadual de Saúde. Publicada em 20 de dezembro de 2012, no Diário Oficial do Estado, a deliberação CES/MS nº 179/2012 prevê prioridade aos hospitais públicos.
O equipamento é destinado ao tratamento de pacientes com câncer através da radioterapia. Na ocasião do anúncio, o ministro ainda prometeu mais dois aceleradores: um para o Hospital Regional de Mato Grosso do Sul e um para o Hospital Universitário Maria Aparecida Pedrossian, mas não estipulou datas de entrega nem investimentos em infraestrutura a serem realizados para o recebimento dos aceleradores lineares.
No texto publicado na imprensa oficial sobre o recebimento dos aparelhos, consta que o Conselho de Saúde aprovou a instalação dos equipamentos em hospitais públicos de acordo com o deliberado em reunião realizada em 14 de dezembro daquele ano. Conforme a ata da reunião, os conselheiros decidiram por 12 votos que o serviço seria instalado em hospitais públicos, contra 8 votos da proposta que previa a instalaçãopreferencialmente em unidades da rede pública de saúde.
Foto: Reprodução/DOE
Durante o encontro, a então secretária de Estado de Saúde, Beatriz Figueiredo Dobash - flagrada pelo Polícia Federal na Operação Sangue Frio em esquema para favorecer a rede privada de tratamento de Câncer em Mato Grosso do Sul – chegou a afirmar que não via razão para o Conselho de Saúde adotar este posicionamento, sugerido pelo conselheiro Francisco Tavares da Câmara.
O relatório ainda destaca que a CIB (Comissão Intergestores Bipartite) decidiu colocar os acelerados lineares em sete hospitais, sendo eles Santa Casa, o Hospital do Câncer Alfredo Abrão, o Hospital Regional e o Hospital Universitário, todos em Campo Grande, além do Evangélico de Dourados e as unidades da Santa Casa em Corumbá e Três Lagoas.
No entanto, o Hospital do Câncer e a Santa Casa de Três Lagoas foram reprovados, pois não estavam habilitados no Ministério da Saúde, apesar de prestar os serviços. Já a Santa Casa da Capital e o Hospital Universitário desistiram de receber os aparelhos. A primeira justificou que já tem atendimento do serviço e o segundo que só estaria fazendo a radioterapia, mas foi obrigado pela Justiça a realizar todos os serviços de oncologia.
“Portanto, existem quatro hospitais que poderão receber os acelerados lineares, a saber: o Hospital Regional de Mato Grosso do Sul e o Hospital Universitário, de Campo Grande, os quais são públicos, mas existem dois privados que são o Evangélico de Dourados e Santa Casa de Corumbá, que está em processo de municipalização”, diz a ata da reunião.
Ministro da Saúde Marcelo Castro - Foto: André de Abreu
Na ocasião, o representante do SINTSS/MS (Sindicato dos Trabalhadores em Seguridade Social de Mato Grosso do Sul), Alexandre Junior Costa, inclusive destacou que a deliberação seria uma maneira do Conselho se posicionar em relação ao processo de privatização do SUS (Sistema Único de Saúde). “Por que quando esse privado não quiser mais atender o público, como fica a situação desse aparelho que é público, ele será devolvido para o Ministério da Saúde?”, questionou.
Pouco tempo depois, considerando as deliberações do Conselho Estadual de Saúde, o SINTSS/MS ainda cobrou o Ministério da Saúde da escolha das entidades públicas, quando solicitou, em 22 de abril de 2013, informações sobre as obras de construção e adequação do Hospital de Três Lagoas, dos Hospitais Universitários de Campo Grande, Dourados e Corumbá, e do Hospital Regional em Campo Grande.
No texto, o Sindicato destaca que a dimensão territorial de Mato Grosso do Sul “não permite que demandas de pacientes emergenciais, graves, fragilizados, ou em estágio terminal sejam centralizados em um ou dois municípios”, como é realizada hoje. Em especial porque os pacientes com câncer convivem com elevado risco de morte e não suportam o sofrimento de viagens longas e frequentes.
“A terceirização e privatização em curso na saúde é criminosa e discriminatória, pois utiliza o recurso público que deveria produzir serviços públicos para a população como um todo, para estruturar serviços privados com convênios com o Sistema Único de Saúde, já estando implícito que o investimento público atenderá interesses lucrativos privados e particulares preterindo o público, gerando o caos que constatado nos dias atuais”, destaca.
O Conselho Estadual de Saúde, segundo o Tribunal de Contas da União, deve avaliar a organização e o funcionamento do SUS e "examinar propostas e denúncias de indícios de irregularidades, responder no seu âmbito a consultas sobre assuntos pertinentes às ações e aos serviços de saúde, bem como apreciar recursos a respeito de deliberações do conselho, nas suas respectivas instâncias". O desrespeito às suas deliberações deve ser avaliado pelo Ministério Público, que pode oferecer denúncia à Justiça.
Outro lado
No entanto, de acordo com a assessoria do Ministério da Saúde, a doação está embasada na Portaria 931, de 10 de maio de 2012, no artigo 6º, inciso II, que prevê "para fins de criação ou ampliação de serviços de radioterapia, são elegíveis para adesão ao Plano de Expansão da Radioterapia no SUS os estabelecimentso hospitalares públicos ou privados sem fins lucrativos que sejam habilitados como: UNACON com Serviço de Radioterapia".
O Ministério da Saúde justifica que, apesar de dois hospitais públicos da Capital estarem habilitados para receber o equipamento e realizar o serviço de combate ao câncer, apenas a unidade Alfredo Abraão possui um bunker - local com isolamento de radiação - utiizado para um acelerador antigo, que precisará apenas de 'pequenas adequações'. Conforme a assessoria, não é possível precisar quanto seria necessário para adequar os outros hospitais, pois o preço da obra varia de instalação para instalação e ainda não há previsão de novos aceleradores lineares.
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